Excerto de magnífica
Pastoral do Grande Bispo do Pará, impertérrito defensor dos
interesses da santa religião em face das tramas abjetas da maçonaria e do
regalismo, glória imortal do nosso Brasil, incontestavelmente um dos mais belos
ornamentos do Episcopado das Américas.
***
Julgas, ó cristão,
que Jesus Cristo morreu por ti para dar-te o direito de viveres tranquilo no
pecado? Julgas que ele derramou o seu sangue para que a teu salvo continuasses
a crucifica-lo de novo com tuas culpas e a ofender a majestade infinita de seu
Pai? É assim que entendes a Redenção? É esta liberdade funesta que Cristo
trouxe ao mundo? De que nos remiu ele então? De que jugo nos libertou?
Se era
para ficarmos escravos do demônio, sujeitos ao cativeiro infame das paixões,
então foi inútil a sua morte, então foi derramado debalde o seu sangue. Como! Veio o Verbo de Deus, o filho eterno do Pai a este mundo,
nasceu n’um presépio; sofreu pobrezas, fomes, desterros, trabalhos,
perseguições, ciladas, desprezos; jejuou, orou, cansou-se, derramou suores e
lágrimas, e por fim foi traído, vendido, preso, desamparado, cuspido, açoitado,
condenado à morte como um vil criminoso e pregado no patíbulo da Cruz entre
ladrões! Um Deus! O Criador do céu e da terra em tal lugar! Se um grande rei
morresse enforcado entre dois vis escravos assassinos, o mundo inteiro ficaria
assombrado de tanta humilhação. Aqui, porém, não é um rei; é o Deus eterno,
onipotente, Senhor de todo o criado, que se abaixou à desonra de tão afrontosa
morte! Um Deus, que morre, e morre na Cruz! Um Deus que nesse altar da Cruz,
nu, palpitando, todo banhado em seu sangue, se oferece Vitima de propiciação pelos
pecados dos homens, e que prolonga e continua todos os dias esse seu tremendo
sacrifício sobre os altares da Igreja até o fim dos séculos. Um Deus que funda
o augusto sacerdócio da nova Aliança, participação de seu eterno sacerdócio;
que estabelece sacramentos adoráveis, e põe à nossa disposição graças
superabundantes para vencermos o demônio, derrotarmos a própria carne, e
vivermos na pureza, na justiça, na caridade, na paciência, na humildade, em uma
palavra na prática das mais sublimes virtudes de que nos deu o exemplo.
E o que fazemos nós? Pecados e mais pecados, excessos e mais
excessos, desordens e mais desordens. Venham os deleites, venham os carnavais,
venham os teatros e as danças libidinosas, venham as farras e os bailes, venham
os jogos devoradores da honra e da fortuna; venham as ambições desenfreadas,
venham os tráficos usurários; venham as políticas dissimuladas de fraudes e malversações,
venham as discórdias e os ódios sedentos de vingança, venham as maledicências e
as calunias; venham as uniões imorais, as prostituições e adultérios; em uma
palavra, venham a soberba, a impiedade, o sensualismo, o egoísmo, com todas as
desordens da antiga gentilidade. E chama-se a tudo isto liberdade moderna,
progresso, civilização!
Irmãos e Filhos muito
amados, é possível que seja isto assim? Não, não, nosso batismo nos obriga a vida muito
diferente; o fato da Encarnação e da Redenção nos empenha a proceder de um modo
todo contrário a este século corrompido.
Oh! Caros Filhos,
que o Deus da paz quebre quanto antes Satanás debaixo de vossos pés (Rom. XVI,
20) e vos encha da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo para combaterdes contra
tudo o que se opõe à vossa salvação. O reino do céu não é para os esmorecidos, que deitam a mão ao
arado e olham para trás (Luc. IX, 62); mas para a gente valente e decidida,
para os que se fazem violência a si próprios, lutadores sublimes, que se
estendem e de desconjuntam na arena para arrebatar mais depressa o prêmio
almejado (Fil. III, 13): Violenti rapiunt illud (Mat. XI, 12).
Esforçai-vos: corrigi
vossos defeitos, sobrepujai os ímpetos das paixões, removei as ocasiões de
pecado, fazei frutos dignos de penitencia; ponde pela oração e pelos
Sacramentos em vossas almas a verdadeira vida e a paz.
“Suplico-vos
pela misericórdia de Deus, vos diremos com S. Paulo, que lhe ofereçais vossos
corpos como hóstia viva, santa e agradável a seus olhos, prestando-lhe um culto
espiritual (acompanhado de boas obras, e não um culto só de aparências). E não
vos conformeis ao século presente, mais reformai-vos, pelo renovamento do
espírito, para seguirdes a vontade de Deus, grata a seus olhos e perfeita.
Caridade sincera, sem dissimulação; tende horror ao mal, unindo-vos fortemente
ao bem.
Nutra
cada um para seu próximo um afeto e ternura verdadeiramente fraternal, dando-se
mutuamente testemunhos de honra e de deferência.
Não
sejais frouxos no cumprimento do dever; conservai-vos no fervor do espírito,
lembrando-vos que servis ao Senhor.
Alegrai-vos
na esperança dos bens eternos, pacientes nos males, perseverantes na oração,
caridosos para aliviar as necessidades dos justos, prontos a exercer a
hospitalidade.
Bendizei
os que vos perseguem; bendizei-os e não lhes lancei imprecações; alegrai-vos
com os que se alegram, chorai com os que choram; unidos todos nos mesmos
sentimentos, condescendendo com os mais humildes. Não pagando mal com mal;
mantendo, quanto for possível, a paz com todos; não vos vingando, meus irmãos,
mas deixando a Deus esse cuidado, pois está escrito: A mim fica reservada a
vingança, e a cada um darei o pago, diz o Senhor.
Pelo
contrário, se vosso inimigo tiver fome, dai-lhe que comer; se tiver sede,
dai-lhe que beber...”
(Rom. XII e seg.)
Eis aqui a doutrina
da nossa religião. Eis aqui o cristianismo, como a Santa Igreja Católica Romana
no-lo ensina. Ah! Como a sociedade inteira se reformaria, se esta doutrina
fosse por todos abraçada e posta em prática.
Se cada um se reformasse, e se tornasse um verdadeiro cristão,
as famílias se reformariam também; uma verdadeira educação seria dada aos
filhos; estes cresceriam em graça e sabedoria diante de Deus e diante dos
homens; seriam depois cidadãos úteis e virtuosos, e assim ficaria por sua vez
reformada a sociedade. Não é isto o que todos desejais? Mas como de vós mesmos
nada podeis fazer, e necessitais dos auxílios da graça, recorrei com confiança
neste mês de bênçãos ao trono da graça e da misericórdia, e certamente, pelos
rogos e intercessão da Imaculada Virgem Maria Mãe de Deus, advogada dos
pecadores e Padroeira desta diocese, alcançareis a misericórdia e achareis o
oportuno socorro da graça em vossas necessidades. (Hebr. IV, 16)
***
D. Antônio de Macedo
Costa (1830-1891). Pastoral
exortando a seus diocesanos por ocasião das manifestações afetuosas com que o
receberam em sua volta à diocese, e oferecendo-lhes em sinal de agradecimento
um opúsculo sobre os deveres da família (1876).
D. Antônio de Macedo Costa (1830-1891).
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