terça-feira, 9 de junho de 2020

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a impiedade moderna (Carta Pastoral de 1896)


A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, Deus e Homem verdadeiro, Mediador entre Deus os homens, por Ele próprio revelada ao mundo, e pela sua Igreja aprovada, promovida e recomendada com muitos extraordinários privilégios e indulgências, tem sido reconhecida pelos Pastores e pelo Supremo Pastor do Catolicismo como a devoção própria do nosso século.
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A Igreja e a Sociedade, disse Pio IX, não tem a esperar senão no Coração de Jesus. Espalhai por toda a parte esta devoção, será ela a salvação do mundo. A cristandade por toda a terra a considera como a devoção católica por excelência.
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Na manifestação de seu próprio Coração, Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, revelou a fonte, o órgão, e ao mesmo tempo o símbolo do Seu amor por nós; não daquele amor que tem como o Padre e o Espírito Santo e com que exultou os mistérios da Encarnação e da Redenção do mundo; mas daquele outro amor em que o seu Coração de Deus Homem arde e se abrasa para com todos os homens.
O que muitos séculos antes havia Jesus Cristo anunciado à sua fiel Santa Gertrudes realizou, há mais de duzentos anos, nas aparições à bem-aventurada Margarida Alacoque, a quem fez ver o Seu Amabilíssimo Coração inflamado de amor pelos homens e revelou o desejo de que fosse esse Coração honrado com um culto particular como o órgão, princípio imediato e símbolo daquele amor, na forma em que Ele mesmo lh’o apresentava.
Queria o terníssimo Salvador sob essas formas comoventes e atrativas se fazer mais vivamente presente a nós, e tocar o nosso coração para Lhe retribuirmos amor com amor: pois é certo que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, Verbo Encarnado, não é senão uma prática de amor para com o nosso Amabilíssimo Senhor Jesus Cristo, como ensina o Santo Doutor da Igreja, Afonso de Ligório.
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Entremos nós também, Irmãos e Filhos muito amados, por aquela porta viva (S. Ambr. De Elia et jejunio, c. 4) aberta no Sagrado Costado do Salvador pendente da Cruz e, “uma vez abrigados no Amorosíssimo Coração de Jesus é bom que permaneçamos ali , nem consintamos força alguma nos separar dele– Quia semel venimus ad Cor dulcissimum Jesu et bonum est nos hic esse, ne sinamus nos facile avelli abe o -, do qual está escrito: aqueles que se separam de ti serão escritos na terra (desaparecerão como a terra) (S. Bernardo Serm., 3 de Passion)
Reparai como o mundo atual procura por toda a parte sacudir o jugo suave de realeza de Jesus Cristo, e com as suas más obras, os seus clubs, os seus congressos, os seus teatros, a sua imprensa, as suas fotografias, pornografias e pinturas, o seu luxo, as suas modas e o seu viver voluptuoso vai apregoando o mote da pérfida rebelião judaica – nolumus hunc regnare super nos (Evang. S. Luc. Cap. XIX, v. 14) – não queremos que Jesus Cristo reine sobre nós!
E crescendo dia a dia a sua soberba inimiga de Jesus – supervia eorum qui te oderunt ascendit, semper, (Psal, 73, v. 23) a impiedade sectária vai demolindo a família com a mancebia legal, conculcando a autoridade paterna, obrigando-a a abdicar do seu direito inalienável de educar a prole, privando-a da faculdade de distribuir o seu patrimônio, açulando a volúpia com o divórcio, pretenso separador do que Deus uniu. Desorganiza a escola, quebrando os laços que uniam os discípulos aos mestres pelo princípio de autoridade e pelo afeto do coração; desorganiza as oficinas acirrando o ódio dos operários contra os seus patrões, inutilizando assim a patronagem e a associação e degradando os trabalhadores a uma espécie de mercadorias sujeitas aos rigores de uma lei cruel e às oscilações do mercado; e degrada ainda mais as classes laboriosas abolindo os dias do Senhor para, entregando-as à cobiça de especuladores, desprezarem as suas necessidades morais e espirituais, e sujeitarem-nas ao trabalho como as bestas irracionais.

Em uma palavra, impondo a indiferença doutrinal e a mais completa separação da ordem natural, essa impiedade tem plantado o reino do pecado, que faz os povos miseráveismiseros autem facit populos peccatum (proverb. XIV, 34). Todo o seu empenho é suprimir Deus e os seus direitos, e para tanta insensatez não trepida diante dos meios ao seu alcance para arrancar do coração do povo a sua fé e as suas esperanças imortais, trocando-as por ilusórias e fúteis promessas dum bem-estar e satisfações terrestres, como se o coração do homem dotado de uma aspiração à felicidade sem termo e sem interpelação pudesse satisfazer-se com o pó de que foi tirado.
Toda essa luta, esses esforços todos dos ímpios coligados com o inferno, todos os males que deles se seguirem e seguirão, não escaparam às vistas de Jesus: antes formaram uma parte integrante do plano que veio realizar neste mundo.

Portanto não podia ser indiferente a esta realização: quis por isso não só preservar os seus filhos de tão grandes perigos, mas também fortalecê-los e fazê-los quais instrumentos ativos do estabelecimento e propagação do seu reino.
Mais ainda: a intenção de Jesus estendia-se aos seus próprios inimigos, que apesar de suas infidelidades e perfídias não deixam de ser seus filhos. Por eles do alto da Cruz havia rogado ao seu Pai – Pater, dimitte illis (S. Math., XI); e podendo esmaga-los debaixo de sua inexorável justiça, não quis triunfar pela força, mas preferiu com misericordioso amor atraí-los a si, alumiá-los e torna-los instrumentos de seu mesmo amor.
E para alcançar tão grande conquista manifestou as riquezas do seu amor, abriu o seu Coração afim que o homem pudesse achar n’Ele remédio para todos os seus males, e forças para resistir a tantas lutas. “Vinde a mim, dizia ele desde sua vida mortal, vinde todos a mim, Venit ad me omnes” (S. Lucas XXIII, 34).
E há dois séculos repete a todos: “Eis aquele Coração que tento tem amado aos homens, vinde a mim todos: o meu Coração está aberto para vos alumiar, fortalecer e consolar”.
“Cheguemo-nos, pois, para Ele e exultemos nele, porque acharemos o caminho, a verdade e a vida, elementos que constituem a verdadeira felicidade. Oh! Quanto é bom e suave habitar nesse Coração! Demos tudo que é do mundo, troquemos os pensamentos e os afetos de nossa alma e todo o nosso cuidado entreguemos ao Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo para que só Ele reine em nossas almas” (S. Bernardo, Serm, 3 da Passion)
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Excerto da CARTA PASTORAL do Exm. e Rvm. Sr. Bispo de Niterói, Dom Francisco do Rego Maia, “sobre o Apostolado da Oração e o Mensageiro do Coração de Jesus”, 5 de julho de 1896. Festa do Preciosíssimo Sangue de N. S. Jesus Cristo.


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