sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Mensagem enviada a D. Vital quando encarcerado


Ao ilustre prisioneiro da fortaleza do S. João foi dirigida a seguinte mensagem:

Exmo. e Revmo. Sr. D. Frei Vital Maria Goncalves de Oliveira, mui digno Bispo de Olinda.
- Nestes tempos em que a impiedade de mãos dadas com o maçonismo tem pretendido assolar o vasto Império do Santa Cruz, e em que vós, Exmo. e Revmo. Senhor, sois a primeira vítima sacrificada no Brasil a bem da Igreja Católica Apostólica Romana, de quem sois intrépido Pastor, nós, a juventude católica diamantinense, não nos podíamos conservar silenciosos à vista de um espetáculo tão triste, de que está sendo teatro a nossa cara pátria cuja constituição prometeu manter a religião católica apostólica romana, cujo juramento com grande pesar vemos hoje profanado pelo governo atual.
Compartilhamos as justas dores de V. Exma. Revma. a quem julgamos e temos não por um criminoso, mas sim por um Príncipe intrépido da Igreja Brasileira, uma das primeiras glórias da religião católica. A vossa prisão nós julgamos que não é uma ignominia para V. V. Exma. Revma., mas, uma honra que tem de possuir todo o Episcopado brasileiro se prosseguir sempre firme na brilhante carreira que tem trilhado.
Convencidos destas sublimes verdades, nós vos consolamos o pedimos a V. Exma. Revma. se digne do vosso cárcere lançar a benção em os abaixo assinados que se prezam de ser de V. Exma. Revma.  filhos em Nosso Senhor Jesus Cristo.


Francisco José de Andrade Brante
Josefina dos Santos Sá.


Cidade de Diamantina, 21 de junho da 1874,
dia do glorioso Confessor S. Luiz de Gonzaga.


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

As rosas do Rosário


Fr. JOSÉ MARIA OLIVIER (1879).

I

Durante a idade média, os fiéis tinham estabelecido o costume de levar flores à igreja todos os dias solenes, que, benzidas pelos sacerdotes, as guardavam como uma recordação de cada festa. Este formoso costume se perdeu, como tantos outros, e unicamente nas aldeias existe ainda, e se oferecem flores ao Santíssimo Sacramento em suas festividades. O sacerdote faz tocar as flores à Custodia, e as devolve aos que as tem oferecido, como em memória da benção solene dispensada pelo Deus do tabernáculo a seus fiéis devotos.
Este perdido costume tinha, como tantos outros, sua razão misteriosa.
Em todos os povos as flores representam um símbolo de júbilo; parece que o mesmo Deus há inspirado aos homens a ideia de associá-las a todas as suas alegrias.
Na florida primavera, quando a terra celebra seu rejuvenescimento, as flores são o sinal patente da vitória obtida pela vida sobre a morte; e o mais completo triunfo da estação alegre, risonha, fecunda, sobre o estéril e sombrio inverno.
O homem nisto faz como Deus: semeia de flores o caminho em que se equilibram a juventude, a alegria, a força e a esperança. Canta seus prazeres e seus triunfos coroando-se de flores, e para demonstrar que a morte é apenas um transito, uma passagem para uma vida melhor, adorna também com flores seu sepulcro.

II

Porem a flor preferida por excelência para demonstrações de júbilo; a que levamos ás nossas igrejas dominicanas o benzemos nas grandes festas, é a rosa.
É, com efeito, a flor que representa melhor a juventude e retrata a esperança. Ao desaparecer as últimas neves, quando se aproxima a primavera, se veem à sombra das silveiras algumas desbotadas e melancólicas flores, com pouco perfume, débil amostra de uma vida incompleta ainda. Porém quando o céu e inteiramente azul, os raios do sol mais fortes, a brisa mais branda, a terra mais louça, a rosa aparece como o símbolo da juventude em toda a sua beleza.
É, pois, a rosa a flor que com preferência devemos escolher para associá-la às nossas festas religiosas; a estas festas que são sempre novas e como que o prelúdio dos gozos sem fim, eternos, a que aspiramos. Porém nós os filhos da Virgem do Rosário temos uma razão mais poderosa ainda para escolher a rosa como sinal de alegria, e é porque esta flor é a das virgens e a dos mártires.

III

É a flor das virgens. Efetivamente: nada no mundo representa tão bem a candura e a inocência como a rosa, adornada com a sua pureza imaculada, protegida por seus espinhos, e espargindo em torno seu doce perfume.
Bela sempre durante sua vida fugaz, o é ainda mais com sua aurora, quando velada pelas tenras folhas que parecem servir-lhe de berço, abre pundonorosa a corola virginal, deixando apenas penetrar, e como purificá-la, um só raio de sol. Mais tarde, virgem ainda, quando descobre com sentimento os atrativos de seu coração, a candura da infância e da adolescência, é o momento em que todos os olhares se fixam nela, a mão não se atreve a aproximar-se demasiado com o receio de ofende-la. É o instante em que se engrazam em sua corola as pérolas do orvalho menos puras e transparentes que suas pétalas: a luz se concentra nela fazendo-a brilhar com mais força e exalar mais suaves perfumes. Com sua casta alvura, ou com o ligeiro carmim que lhe dá seu nome, é e será sempre a flor das virgens, a flor com que se cinge a fronte das meninas em sua primeira comunhão, a que coroa o branco ataúde das donzelas, e a flor com que adornaríamos o berço dos infantes se eles não fossem tão puros como as mesmas rosas. A rosa se vê cercada de espinhos; claríssimo exemplo que nos ensina o grande cuidado que devemos ter em guardar nossa pureza. A mão que imprudente vá colher a casta flor, à impressão dos espinhos se retira ensanguentada. De igual modo devemos opor a essas mãos imprudentes, cujo contato entibia e desfolha as flores da alma, os inteligentes espinhos da vigilância e firmeza cristãs.
Tácito, falando das mulheres germanas, dizia que sua pureza as guardava como um valado de espinhos: circunscripta pudicitia ricunt. Assim devem viver as almas que Deus há querido que guardem a inocência. Se o áspide venenoso, ou o golpe indiscreto não opõe obstáculo para tocar a pobre flor, prestes se encontrará esta desfalecida, e para ela o desfalecimento é a morte. Nos admiramos algumas vezes da assombrosa rapidez com quo vemos cair do pedestal da inocência pessoas que antes admirávamos; porém ai! não devem estranhar estas súbitas quedas: a rosa não tinha espinhos !
Assim é muito fácil colhe-la, e por isso se acha bem depressa desfolhada.
IV

A rosa não é somente a flor das virgens, mas igualmente a dos mártires.
Segundo diz a Santa Escritura, a vida do homem é um continuo combate sobre a terra, no qual não se alcança o prêmio sem haver antes conseguido a vitória. É esta vitória, conquistada às vezes sobre o cadafalso, outras em um perseverante trabalho que tem por duração toda a vida; é sempre uma vitória alcançada à custa de inauditos sacrifícios, que nos faz comprimir de um modo doloroso nosso coração, contrariar nossa vontade e mortificar o espírito, tudo para obter o prêmio desejado. E as lágrimas que se derramam, são lágrimas de sangue que tingem as rosas da inocência não perdida ainda, ou antes reconquistada.
Quando a virgem Santa Cecília mostrou a seu esposo Valério as coroas que o céu lhes tinha preparadas, este viu umas grinaldas formadas de rosas brancas e encarnadas descer sobre suas cabeças. A Igreja pratica este exemplo coroando com rosas encarnadas as frontes de seus santos prediletos e de seus mártires, que representam o laurel da vitória. O laurel murcha o prestes se consome no fogo, porém a rosa conserva sempre um resto da sua cor e de seu perfume primitivos.
Do mesmo modo Deus concede a seus mártires esta segunda vida, se lhe são agradáveis as flores que se lhe oferecem, e estas flores, que representam a vida e a juventude, jamais murcharão, guardando eternamente purpura que as tinge do sangue por eles derramado, por amor a seu Salvador.

V

A rosa é a flor que mais convém a nossas festas, pois a maior parte delas estão destinadas a Maria, a Rainha das Virgens e dos Mártires. A Santa Escritura dá à Virgem um título que a Igreja o conserva na Litania e é o de Rosa Mística. Maria é a mais bela flor do Carmelo, cujas imemoráveis flores embalsamam o monte sagrado, subindo seus perfumes qual ligeira nuvem até o céu, e deixando absortos os olhos do Profeta. É também Maria a Rosa de Jericó, a maravilhosa flor que depois de morta torna a renascer com suas mais belas cores e perfumes, submergindo somente a haste na água cristalina.
Porém se a rosa é a principal flor de todas as festas de Maria, é em particular a mais adequada para as festas do Rosário. Efetivamente nenhuma outra poderia recordar-nos melhor os gozos tão puros, as acerbas dores e o triunfo gloriosíssimo da Santíssima Virgem. Quem mais pura que Maria, e onde melhor que nos mistérios de gozo podemos apropriar a rosa branca? Quem padeceu tanto como ela, e onde pôde convir melhor a sangrenta rosa que nos mistérios dolorosos? Quem ao presente tem mais gloria, e a quem senão à Maria oferecemos com todo o respeito e júbilo de nosso coração as enlaçadas flores dos mistérios gloriosos? É muito justo que levemos flores ao pé do altar, e que o sacerdote as abençoe.
Em nossas mãos são elas o patente testemunho do culto que tributamos à Maria, e guardadas em nossas casas serão o laço de união contraindo com tão boa Mãe, que nos cumulará de graças e bênçãos.

VI

Estas flores murcharão também como todas as da terra, mas sempre teremos presente o espirito de perseverança e de sacrifício que tão perfeitamente nos ensinaram, e o candor e a prudência com que se adornaram.
A fragilidade da rosa nos recordará aquelas almas agradáveis um dia aos olhos de Deus, quando estavam perfumadas pela candura da inocência, porém, que, sem saber como, arrojaram ao furor dos ventos as flores de sua coroa.
A só lembrança da flor do Rosário rogaremos com fervor à Maria se compadeça das almas, que hão perdido ou deixado enfraquecer sua força, e também por aquelas que ainda a conservam, afim de que Maria as mantenha em sua primeira inocência.
Nos dias de tribulação e angustia, quando vejamos murchar umas após outras as flores de alegria e de esperança com que se via adornada nossa juventude, pensaremos nas rosas que, despojadas pelos rigores do inverno, em chegando a primavera tornam a florescer se depõe a semente, e assim rogaremos à Maria derrame em nosso coração a seiva sobrenatural, esta graça vivificante que fará florescer nossa alma contristada pelos males da terra, porém que pela vitória alcançada nos será dado o gozar eternamente a gloria celestial.


domingo, 23 de agosto de 2020

Conto moral


Padre João Vieira Neves Castro da Cruz
Novembro de 1877


Um pai, que possuía abundância de bens, tinha três filhos. Em certo dia falou-lhes do modo seguinte:

“Meus filhos, tudo quanto possuo há de ser para um de vós, e será unicamente para aquele que praticar a ação mais nobre e generosa. Procurai, pois, obrar de modo a satisfazer esta condição da qual depende a vossa felicidade. Ide viajar, cada um para o seu lado, e no fim de um ano voltai a esta casa. Aquele que melhor desempenhar o que vos proponho, gozará dos bens de que sou senhor. Quer em minha vida fazer esta disposição, designando o meu único herdeiro, afim de prevenir pleitos no futuro. Ido, portanto, com a benção de Deus e com a minha. O meu coração me diz que de hoje a um ano terei o prazer de vos abraçar a todos”.

Depois de escutarem o pai com profundo respeito e atenção, os filhos partiram da casa paterna, dirigindo-se cada um para o seu lado. No fim de um ano voltaram à casa de seu pai. Este, vendo-os cheios de vida e de saúde, depois de os abraçar, congratulou-se pela sua feliz vinda, e passou a inquiri-los sobre o seu procedimento no país onde cada ura deles se linha demorado. Chamou primeiramente o mais velho que disse:

“Meu pai, eu estive em uma cidade onde em pouco tempo adquiri a estima de todas as pessoas pela minha probidade. Constituíram-me depositário de uma grande soma de dinheiro, sem documento que provasse a dívida. No fim do prazo marcado entreguei fielmente o deposito ao seu dono. Não fiz, por tanto uma ação generosa?”

Respondeu o pai:

“Se obrasses o contrário, serias um ladrão. Fizeste o teu dever, e por isso não mereces prêmio. A tua ação não excede os limites da honradez; qualquer pessoa de bem faria o mesmo”.

Chamou depois o segundo filho que disse:

“Próximo da casa que eu habitava ateou-se um grande incêndio por alta noite. Acordei aos gritos dos meus vizinhos que quase estavam a ser devorados das chamas. A custo se salvaram, ficando uma criancinha no berço, e já o fogo ia ganhando terreno para junto dele. Imenso povo acudiu ao sinistro; mas só eu tive coragem para romper entre as chamas: peguei do berço que trouxe para fora em meus braços, e assim livrei da morte a criancinha. Por este ato heroico fui aplaudido por toda a gente que o presenciou, e os pais do menino que eram meus amigos, me deram grandes recompensas”.

 Respondeu o pai:

“Na verdade, a tua ação foi sublime; mas ainda assim cumpriste o dever de bom cidadão, do bom vizinho e do bom amigo. Dando-te Deus a coragem e os meios de valer a um teu semelhante, se desprezasses pô-los em prática para o salvar, cometerias uma falta de que te acusaria a consciência. A tua ação foi boa, mas muito natural; e parece que o principal motivo foi a amizade aos vizinhos. No entanto, é muito digna de louvor, o vejamos agora o que fez o teu ultimo irmão”.

Chamou, finalmente, o terceiro filho que era o mais novo, e que esteve calado, retirado um pouco, enquanto o pai inquiriu os seus irmãos. Aproximou-se e disse:

“Meu pai, eu estive em uma terra onde abri um estabelecimento de negócio; a minha loja começou logo a ser muito concorrida, tal era a inteireza com que a dirigia e a excelência da fazenda que nela vendia. Havia, porém, ali um homem que tinha o mesmo negócio, e, vendo que eu me avantajava a ele, votou-me um ódio irreconciliável, procurando desacreditar-me por todos os meios, e até tirar-me a vida. Não só me esperou muitas vezes para me assassinar, mas também assalariou homens para esse fim. Tratei sempre de evitar maus encontros, prosseguindo pacificamente no meu negócio; e felizmente escapei às ciladas daquele perverso. Ora, ele costumava embriagar-se, e um dia que estava muito bêbado, caiu junto de um grande abismo onde ficou dormindo. Por acaso ali o encontrei. Eu podia facilmente mata-lo, livrando-me dos perigos em que vivia. Podia seguir o meu caminho, abandonando-o e o resultado era ele cair na profundidade. No entanto, desviei-o do precipício; o homem acordou, e, conhecendo o perigo iminente e certo de que eu o livrara, abraçou-me, e desde então ficamos amigos”.

Acabou de falar, e o pai, abrindo os braços a seu filho, com lagrimas de alegria, respondeu:

“Vem cá, meu filho, foste tu o que fizeste a ação mais sublime e generosa. Amaste sempre o teu inimigo, e por fim o livraste da morte em que nenhuma culpa tinhas. Podias, não digo matá-lo, mas continuar a tua jornada, desviando do teu fidagal inimigo. Todavia, livraste-o da morte. Eis o maior heroísmo que praticaste. És tu o herdeiro dos meus bens”.


***


As Vítimas do Sagrado Coração de Jesus


No começo do século XVI, quando uma luta porfiada travou-se entre o Homem-Deus, e o homem-criatura, entre a verdade e o erro, em um lugar humilde da França (Paray-le-Monial) falou o Homem-Deus à uma criatura obscura aos olhos da sabedoria mundana, e abrindo o seu peito amoroso, lhe mostra o seu Coração, dizendo: - Eis o Coração que tanto ama aos homens, e que tantas injurias deles recebe.
— Desde então, pela iniciativa da Bem-aventurada Margarida Alacoque e pelo zelo dos sacerdotes, o Sagrado Coração do Nosso Salvador, estendeu a chama de sua infinita caridade pelo universo, entre os embates de uma heresia enfurecida, e de uma constante labutação com todos os elementos do inferno. Estes elementos pretendiam estigmatizar a obra gigantesca brotada do Coração adorabilíssimo do Redentor; intentavam abafar os nobres sentimentos de generosos corações, que asfixiados pela peste de doutrinas repugnantes, buscavam alento e vida no âmago do Coração do verdadeiro Irmão e Amigo do homem! O transporte amoroso de milhares de cristãos, que estamos presenciando, é a resposta que merecia a impiedade audaz. Essas falanges aguerridas nas batalhas do espirito percorrem hoje - entre as mais furiosas perseguições - cidades, campos, montes e bosques para reparar as feridas abertas no Coração de Jesus pela ingratidão, levando o consolo aos hospitais, a instrução às escolas e a beneficência católica aos asilos da infância e dos infelizes dementes. Eis aí as obras dos fanáticos!...
 Neste sentido os católicos são reacionários, ou benfeitores sinceros da humanidade, opondo uma ação pacifica, piedosa, evangélica à revoltante, ímpia e pagã, que lhes propõe a Revolução.
A bela Associação das Vítimas do Sagrado Coração de Jesus é uma das flores mimosas brotadas no místico jardim da S. Igreja. Abençoada pelo Imortal Pontífice reinante, protegida por vários Bispos franceses, ela teve origem em Bordeaux, e hoje acha-se propagada na Itália Meridional e na heroica província da Bahia.
O fim da sociedade é:

1º Seus membros se oferecerem Vítimas do Sagrado Coração pelo triunfo da Santa Igreja, e pela santificação do clero.
2° Rezar uma curta oração diariamente para este fim.
3° Visitar pelo menos uma vez por mês o Santíssimo Sacramento de nossos Altares, rogando pela Igreja, pelo Papa e sacerdotes.
4° Alistar-se na Associação.

Católicos brasileiros! Associai-vos ao Coração de Jesus, único remédio para curar hoje a chaga venenosa do Naturalismo e Ceticismo.
Desconhecido e desprezado por tantos infelizes nossos irmãos, Jesus pede e espera paciente uma reparação solene.
Suas Vítimas darão em companhia do Filho de Deus esta reparação, expiando com Ele os pecados do mundo. Este ó o Apostolado do sacrifício, irmão extremoso do Apostolado da oração! São invenções amorosas de Jesus para com o homem. Não podendo de novo encarnar-se, aceita a oferta do corpo, do coração e da alma de suas queridas Vítimas para dar uma satisfação condigna à Justiça de seu Eterno Pai.
Brasileiros! Associai às Vítimas deste amável Coração as vossas famílias, e vossos Colégios: Irmãos no sacerdócio, a causa é toda nossa, e portanto, com previa aprovação e benção do Prelado Diocesano, institui em vossas Freguesias e Capelas a bela Associação das Vítimas do Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Sacerdote santificado pelos sacrifícios e orações das Vítimas de Jesus, será um segundo David que nesse século há de derrubar o monstro da impiedade com a flecha da virtude e da doutrina evangélica. Com estas armas pacificas trinfaremos, pois a vitória foi sempre da Justiça e da Verdade.

Bahia, Hospício da Piedade, 7 de Outubro de 1877.
Vosso Capelão humilíssimo.
Fr. Salvador Maria de Nápoles.
Vigário Prefeito Apostólico Capuchinho


***


Sobre a respeitável Associação das Vítimas do Sagrado Coração de Jesus, o jornal “O Apóstolo”, em 26 de outubro de 1877, fez os pertinentes comentários:

Correm os tempos por tal modo contrários aos ministros da Igreja, que indispensável é a todos orar por eles, afim de que se santifiquem e vivam isentos das traições do demônio, que é o diretor dos inimigos da Igreja. Neste sentido se tem criado entre os Católicos uma associação piedosa, que, formada de todos os fiéis devotos do Sagrado Coração de Jesus, se impõe maiores obrigações em relação aos frutos que se deve colher.
O estado sacerdotal é santo; purifica, transforma o padre, mas é verdade que o padre ainda não chegou ao estado da santidade: cercado das insidias de Satanás, ele precisa das orações especiais dos fiéis.
A Associação das Vítimas do Sagrado Coração de Jesus se propõe a sofrer em união com Maria em favor do padre, exposto, como anda, a todas as tentações e desvios humanos.
Os meios que emprega são a oração, unindo esta à ação, como foi já recomendado pelo Santo Padre Pio IX, que se dignou abençoar esta pia associação.
Assim como com a maior facilidade se espalhou o apostolado da oração, se há de também espalhar o apostolado do sacrifício.
O apostolado da oração é a santa liga, cujo fim ó alcançar, por meio do Coração do Jesus, tudo quanto ó necessário à Igreja e à nossa salvação.
O apostolado do sacrifício é a milícia das almas heroicas que se oferecem como vítimas do Sagrado Coração para alcançar padres santos!
Ambos os apostolados tiram da mesma origem os tesouros de amor, de graças e de santificação, para espalha-los depois sobre a Santa Igreja e sobre o sacerdócio. Eis em resumo o que pretende a Associação das Vítimas do Sagrado Coração.
Fim mais útil e santo ó impossível aspirar-se.
A salvação e todas as graças que a ela levam tem, por intermediário, entre o Criador e a criatura o padre, e conquanto não dependam do ministro a sua eficácia, com tudo a pureza e santidade deste, muito influirão nas disposições dos fieis na recepção dos sacramentos e na celebração do Santo Sacrifício da Missa, e de outros atos devotos.
Pedir, portanto, e juntar à oração o sacrifício, para que o padre seja santo o puro, é um ato muito meritório e de grande alcanço para todos.

Acedendo ao apelo que se nos fez, de chamar a atenção dos fieis para a Associação das Vítimas do Sagrado Coração, recomendamos e pedimos muito e muito aos fiéis, que se alistem na associação e se onerem das suaves obrigações que tem por fim desempenhar. Os Revds. sacerdotes, nossos irmãos, não deixarão perder o ensejo de animar aos fiéis, que orem e se sacrifiquem pela sua classe, hoje sobre ludo alvo das calúnias e perseguições dos inimigos da Igreja. Por nossa parte faremos tudo para que vingue esta piedosa associação, que por certo será animada e desenvolvida pelo Episcopado Brasileiro. No intuito de difundir o mais possível os fins da Associação das Vítimas do Sagrado Coração, damos hoje o convite que digne aos fiéis do Brasil o muito digno Frei Salvador Maria de Nápoles, Vice-Prefeito Apostólico Capuchinho e iremos oportunamente publicando notícias sobre a associação, para que ela se propague entre nós e produza os frutos que se tem em vista para o bem de todos.


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A flor: Símbolo do coração de Jesus*



Ego flos campi (Cant., II, 1)

Tão frisantes são as analogias entre a flor e o coração que não será difícil a qualquer o descobri-las.
Ainda fechada em botão, escondendo em si mesma toda a sua graça, a flor afeta a forma de um coração, é a imagem dele: vede o botão da rosa!
Bem como a flor, antes que se entreabra ao contato da atmosfera, virgem ainda e tanto mais rico, pois não fez uso da vida nem tampouco foi usado por ela, o coração possui todos os seus tesouros.
À semelhança da flor o coração contém dentro de si mesmo, melhor do que no exterior se pode conhecer, cores suas, seu perfume a pureza de suas linhas, seja que se desenhem harmoniosamente em órbitas sobrepostas, seja que zombando dos cálculos do homem, elas lhe escapem às observações pela infinidade dos seus contornos e formas.
Todavia, assim como a flor, o coração deve abrir-se um dia para cumprir o destino que lhe fora demarcado; por isso que se sempre ficasse fechado a beleza, os perfumes, a fecundidade dele se converteriam em venenos contagiosos e mortíferos.  Não seria então o coração o berço da vida, mas bem ao contrário um triste e sombrio túmulo onde a vida se extinguiria antes mesmo de se manifestar. Infeliz, desgraçado daquele que assim há fechado o coração, ou que ao ponto de abrir-se-lhe à luz, e ao amor, o obriga a recolher-se em si para que pereça!
“As flores desabrocharão” (1), eis aí a lei.
Como flor o coração é o meio entre o ser e o fruto dele, meio que tem este misterioso destino de ser para ambos e para cada um deles. É a beleza da haste e o berço do fruto. Serve de laço a um para que possa chegar ao outro, e do mesmo modo que o tronco aspira a manifestar-se em flor, parece que ao fruto pesa-lhe de não ser já flor, e apressa-se em o ser, conservando até que o seja, um não sei que de afinidade secreta com a flor que o produziu.
À semelhança da flor o coração tem por lei suprema da sua vida o sacrifício ou a dadiva. É mister que a flor de o seu fruto, que o coração produza as suas obras! E assim está escrito: “As minhas flores são frutos de honra e de pureza” (2). Se o coração não perece, assim como a flor, é que mais próximo de Deus e mais semelhante a Deus, está no ser que o anima, e conserva deste modo em si o fruto santo das obras que produz.
Ó meu Jesus! Se ao escrever estas linhas não fosse de vós, e somente de vós que o meu pobre coração se entretém, por sem dúvida que tudo isto seria uma puerilidade vã; mas, ai! Ó amor, ó alegria da minha alma! Aqui no mundo eu não posso ver-vos mais que sob os símbolos imperfeitos que o mesmo mundo apresenta.
Ora a quem vos compararei eu senão à flor, ó Coração de Jesus? Lírio dos vales, flor dos campos (3), vós nascestes sem a cultura das mãos dos homens, e os perfumes vossos tem embalsamado a vossa Igreja (4).
Vinde pois, almas fiéis, a flor desabrochou o seu cálix e espargiu o seu suave cheiro (5): vinde, corramos pelos traços do bem amado ao cheiro dos seus perfumes (6).
Flor mística, sois vós, que tornando-nos à imagem vossa, humildes e puras flores (7), ao mesmo passo nos comunicais o poder de produzirmos as flores nossas. Pois que as nossas obras, disse-o um grande doutor, são verdadeiramente flores, a felicidade das quais está no fruto (8).
A felicidade aqui na terra encontra-a o homem, bebe-a no vosso coração. Porque, semelhante à flor, o vosso coração, ó Jesus, é um cálix. Tendo recebido o orvalho do céu preparou-nos uma bebida de imortalidade.
Contendes, ó Coração amabilíssimo, um mel mais puro e mais doce do que o das flores mais doces e mais puras; a alma que se alimenta dele encontra a vida, uma doçura e força que a robustece no meio dos combates pressagiando-lhe a vitória!

(1) Flores apparuerunt (cant. II, 12).
(2) Flores mei fructus honoris et honestatis (Eccl., XXIV, 23).
(3) Lilium convallium, flos campi (Cant., II, 1).
(4) Flos Mariae Christus, qui honum adorem fidei totó sparsurus orbe, virginal ex útero germinavit. S. Ambr., lib. de Spirtu Sancto, c., V.
(5) Dedit odorem suum (Cant., I, 2)
(6) Curremus in odorem unguenntorum tuorum (Cant., I, 3)
(7) Floret Christus in nobis (S. Ambr., lib. I, in Luc., c. I)
(8) Opera mostra in quantum ordinantur ad finem vitae aeternae, sic magis habent rationem florum. Ss. Thom., Sum. theol., I, 1, 9, LXX.

***
* Jornal A Boa Nova, 1 de junho de 1872, n. 25, p. 4.


A festa das rosas (Sra. Emília Augusta Gomide Penido )


19 de julho de 1877
Pela Sra. Emília Augusta Gomide Penido  (1840 – 1886)*

Esforça-se a mãe carinhosa para plantar no coração de seu filho o amor da virtude, e fatiga-se o pastor, para cultivar essa flor mimosa, que produz frutos de bênçãos para a terra, e de glória para os céus.
Trabalham ambos com afinco; porque sabem que a virtude é a guarida que inutiliza a força do mal; a estrela que resplandece ente as trevas da vida; e a toga que ao homem transforma em anjo.
Para ornar a alma do ente querido com tão preciosas galas, emprega o pastor conselhos, suplicas e exemplos, e excogita diversos meios mais ou menos eficazes, e todos edificativos.
Teve S. Medardo, Bispo de Noyon, a mais engenhosa ideia para conseguir esses ardentes desejos, e para que fosse por todos amada e praticada a lei de Cristo, instituiu em sua diocese a festa das rosas, que consistia em premiar-se a mais piedosa donzela da região.
Entre três jovens escolhia o governador, aquela que a opinião geral indicava com a mais digna. Um mês antes da festa, publicava-se nas principais igrejas o seu nome, para no caso de haver injustiça, ser esta reparada a tempo.
A 8 de junho, vestida de branco, com os cabelos flutuantes, adornada com uma larga fita azul, a tiracolo, ia a donzela, seguida por sua família, e pelas mais distintas jovens, agradecer ao Governador a honra que lhe conferira.
Recebida ao som da música, dirigia-se acompanhada por numeroso cortejo ao templo sagrado, para cantar as vésperas. Em procissão encaminhavam-se todos para a capela do santo Fundador, onde depois de um sermão análogo ao ato, o ministro do Senhor abençoava a coroa, e cingia a fronte da venturosa virgem
Assim ornada, era conduzida pelo Governador a Igreja da Paróquia, onde se cantava o Te Deum e outros hinos; seguindo depois para uma praça, ali oferecia-se a roseira, em homenagem ao seu mérito, avultada soma, e diversos objetos simbólicos; cerimonias estas, que deviam ser religiosamente observadas.
Concluía-se a festa com inocentes folguedos, sendo a roseira o objeto de geral estima e consideração.
Para se conseguir o prêmio era preciso não só a jovem ter uma vida irrepreensível, como também os seus parentes serem de exemplar virtude; a mais ligeira nodoa inabilitava para tão subida honra.
Esta instituição produziu admiráveis efeitos, não havia em toda região um só crime, nem mesmo faltas grosseiras, enquanto as povoações vizinhas eram em extremo viciosas.
Em uma capela em Salency, vê-se ainda um quadro representando o santo coroando a sua irmã, que era reconhecida por todos, como a mais virtuosa donzela da diocese.
***
*Extraído do “Almanach Brazileiro Illustrado”, 1877, p. 343-344.


Comentários Eleison – por Dom Williamson


Número DCLXXXIII (683) – (15 de agosto de 2020)


ESTOURO DE ROSÁRIOS

Nosso mundo enfurecido está à beira da destruição.
O Rosário é nosso salva-vidas, para que não afundemos.

Quaisquer que sejam os acontecimentos que caiam sobre nós deste outono em diante, será essencial que todas as almas que têm a sorte de crer em Deus voltem a mente e o coração a Ele, porque Ele está no centro destes acontecimentos, e estes não podem ser compreendidos sem Ele. É por isso que a multidão de conservadores e liberais estão hoje "caminhando na escuridão". Só as almas com a Fé que “têm a luz da vida” (Jo. VIII, 12) podem ler o que está acontecendo.

Durante séculos, a chamada “civilização ocidental” afastou-se de Deus. No entanto, somente Ele pôde criar e criou a alma espiritual e racional, que é a única coisa que dá vida e livre-arbítrio a todo homem vivo, e isso Ele fez para permitir que o homem escolha ir para o Céu, se assim o desejar. Se um homem recusa esta oferta, merece somente ir para o inferno, que é o que de fato quis para afastar-se de Deus, porque morreu em um estado de revolta contra Ele. Assim, todas as almas da terra se dirigem o tempo todo para Deus ou se distanciam d’Ele, de acordo com a Sua justiça, temperada por Sua misericórdia, ambas de alcance infinito. No coração do ser ateu mais amargurado... está Deus.

E esse afastamento de Deus é do que trata a vida humana na terra, quer os homens o reconheçam ou o neguem. Atualmente, em 2020, Deus está tão fora de cena que, entre os homens, tanto Seus amigos como Seus inimigos podem estar mais inconscientes do que conscientes de serem assim, mas isso é o que são, e o que está impulsionando suas vidas. Aos amigos inconscientes chamamos “conservadores”, porque estão tentando conservar os últimos vestígios da cristandade, mais conhecida hoje como “civilização ocidental”. Aos inimigos inconscientes de Deus chamamos “liberais”, porque estão tentando libertar-se dos últimos vestígios dos Dez Mandamentos.

É a grandeza de Deus que dá aos conservadores sua força, incomparavelmente maior quando eles entendem isso e se voltam para Ele, mas bastante diminuída se querem ou tentam lutar por Ele sem Ele. É por isso que a política atual está constantemente deslocando-se para a esquerda, porque os conservadores têm cada vez menos de Deus neles, ou para lutar. Isso significa um inimigo cada vez mais fraco frente aos liberais, que fazem uma cruzada com fanatismo religioso por sua Nova Ordem Mundial sem Deus. É somente porque Deus está implicado que o choque entre conservadores e liberais nos Estados Unidos está à beira de tornar-se uma guerra civil, à beira de separar a nação.

As coisas chegaram tão longe que, já em 1973, Nossa Senhora disse em Akita, Japão: “Só eu posso ajudá-los agora”. Ali ela também disse: “Rezem o Rosário pelo Papa, pelos Bispos e pelos sacerdotes”. De fato, o coração do problema nacional e internacional de hoje reside na Igreja Católica, porque o único e verdadeiro Deus tem somente uma instituição na terra que Ele mesmo instituiu para levar os homens ao Seu Céu, que é a Igreja Católica. O mundo não estaria imerso no terrível problema em que se encontra atualmente se os agentes da Nova Ordem Mundial não tivessem conseguido infiltrar-se e paralisar a Igreja Católica no Concílio Vaticano II, realizado na década de 1960.

É por isso que estes “Comentários” não podem crer em nenhum tipo de ação bem intencionada, mas inadequada, para salvar a Igreja ou o mundo, nem promover tal coisa, mas eles acreditam em, e podem promover, um “Estouro de Rosários” por realizar-se no próximo mês, entre sexta e domingo, de 18 a 20 de setembro, no principal santuário de Nossa Senhora na Inglaterra, em Walsingham, em Norfolk, a ca. de quarenta e três quilômetros da cidade de Norwich. Que qualquer pessoa interessada em realmente ajudar a resolver os problemas da Igreja e do mundo entre em contato com respicestellam2015@gmail.com para participar da oração de cinco Rosários completos em cerca de 40 horas. Mãe de Deus, ajudai!

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Em Torno do Affaire Lefebvre (Gustavo Corção)


Por Gustavo Corção,
publicado n’O Globo em 12-09-76

O MOSAICO de testemunhos reunidos pelo Jornal do Brasil em torno de Dom Marcel Lefebvre tem a originalidade de começar pelo depoimento de D. Avelar Brandão que assim mereceu especial destaque. Ouvi-o com toda a atenção. Logo de início, em tom grave de incontestável e ilibada autoridade, Dom Avelar Brandão nos diz: “é cedo para afirmar que a desobediência de Dom Marcel Lefebvre já signifique de fato um cisma, é na verdade um sintoma alarmante, um gesto incompreensível”. Pergunta D. Avelar Brandão: “Lefebvre é somente ele ou passou a ser um instrumento de outros que nada têm a ver com a Igreja?”. Na sua opinião, que Lefebvre possa ter amor ao latim e ao rito da missa anterior ao Concílio, bem assim tendências pessoais de conservadorismo político, entende-se, mas que suas convicções cheguem ao ponto de provocar uma rebelião, uma atitude formal de rejeição da autoridade do papa já não se pode admitir.

A MIM, e certamente aos milhares de católicos que leram essas entrevistas, o que certamente parecerá mais difícil admitir e entender é a tranquilidade grave e pausada com que fala em rebelião e desobediência à autoridade do Papa o mesmíssimo personagem que três meses atrás, desobedecendo a mais de dois séculos e de não sei quantos papas, empurrado certamente por forças e interesses contrários aos da Igreja, participou de festividades maçônicas em Salvador. Para mais escandalizar as consciências católicas, Dom Avelar Brandão fez questão de mencionar na loja maçônica o nome do Papa Paulo VI; e fez questão de frisar as boas relações que mantém com o Sumo Pontífice. Como se viu, a seguir, não houve sinal nenhum de reprovação diante do escândalo, da desobediência, da ruptura ostensiva do Cardeal Primaz do Brasil com toda a tradição católica.

UM OU DOIS ANOS ATRÁS dificilmente poderia contar a indignação e o fluxo de objetivos e advérbios que essa paixão da alma costuma produzir.

HOJE, com o preço de muito estudo e muito sofrimento, creio ter compreendido melhor a largura, a altura e a profundidade do fenômeno que tanto aflige a consciência católica e a distância abismal que nos separa da “Igreja do homem que se faz Deus”. Hoje não me sinto indignado e envergonhado com o desembaraço de Dom Avelar Brandão diante da atitude de Dom Lefebvre. O quadro de valores em que Dom Avelar Brandão se sente à vontade na loja maçônica, e ainda mais à vontade no J.B. para criticar e qualificar severamente o apego de Dom Lefebvre à sua Igreja e à sua obra, é decididamente diverso daquele em que se movem todos os católicos que assistiam assustados ao desmoronamento da santa missa e das santas intransigências da Igreja, e agora assistem com começo de alento sinais de resistência católica, que por toda a parte surgem, e entre os quais Dom Lefebvre se destacou pela grandeza de sua obra, e por que não? Pela grandeza de sua figura de Bispo Católico que deve incomodar muita gente.

SIM, são diversos os valores, os critérios, os sentimentos, os afetos, são diversas, para não dizer opostas, a religião do Verbo Incarnado, e a nova religião do Humanismo que tolera tudo, que tem aberturas para todas as aberrações de mentalidade contemporânea, mas só não pode suportar o que ainda lhes venha lembrar a religião dos santos, a religião de um Reino que não é deste mundo que abandonaram.

Não há, portanto, o que estranhar nas reações de Dom Avelar Brandão e de Dom Evaristo Arns, cuja explicação é a mesma. O que eles dizem e fazem está na lógica da nova Igreja que ostensivamente se separou da tradição católica, e, portanto, da Igreja de Cristo.

NO DEPOIMENTO DE D. EUGÊNIO SALES, as causas mais profundas da desobediência estão no orgulho. Concordamos inteiramente com este enunciado de conhecidíssima verdade, mas devemos lembrar que o amor-próprio, causa da raiz de todos os pecados, não é causa somente dos atos de desobediência; está também na raiz dos que não somente erram, mas perseveram no erro. E isto tanto pode ocorrer com o mais obscuro dos fiéis, como com os Bispos que persistem em erros graves, e por que não com o próprio Papa?

ESTAMOS POIS no domínio das idéias gerais aplicáveis a todo o mundo, e não vejo como possa D. Eugênio Sales, à distância, sondar os rins e os corações para saber que o caso particular de Dom Lefebvre e de outros que lutem ardorosamente na defesa do depósito sagrado se expliquem sempre pelo orgulho.

O QUE APRENDI com os doutores da Igreja leva-me a concluir, sem hesitação, que os princípios do novo humanismo propalados pelo Concílio são propagadores do orgulho, sob disfarce de exaltação dos valores humanos. Toda nossa civilização está marcada por esse veneno e a CNBB não faz outra coisa senão difundi-lo. Cabe aqui entretanto observar que a principal e mais grave manifestação do orgulho não se observa de homem para homem, ainda que um desses esteja investido de autoridade de direito divino, por cujo uso ou abuso deverá responder, não perante o próximo ou a História, como diz a Gaudium et Spes, 55, mas diante de Deus.

MAIS ADIANTE, no seu depoimento, D. Eugênio Sales acrescenta, para procurar o meio termo do problema: “Cabe reconhecer também que a culpa não recai somente em Dom Lefebvre. Todos os que inovam abusivamente na liturgia, na  disciplina e na doutrina, também ferem a unidade da Igreja. São seguidores dos princípios que norteiam esse bispo, embora em extremo campo oposto”.

SE O EMINENTÍSSIMO CARDEAL Arcebispo do Rio de Janeiro me permite um modesto reparo a esta simetria, eu diria que os inovadores que levam a Missa à sua destruição, como no artigo da 5ª feira gritava o Pe. Auvray, não são desobedientes. São consequentes com os princípios introduzidos pelos reformados conciliares. Quem melhor os qualificou, a nosso ver, foi D. Ivo Lorscheider que, em entrevista concedida há cerca de dois meses declarou que o Papa Paulo VI dirige a Igreja no seu caminho para a frente, com serenidade, sem atender “à estagnação dos conservadores nem à impaciência dos contestadores”.

ACHO MUITO FELIZ o termo achado por D. Ivo: “Impacientes” para designar aqueles que não esperam o sinal verde dos bispos ou conferências episcopais para se entregarem aos comunistas, ou para receberem condecorações em lojas maçônicas. Dom Ivo parece dizer-lhes: – Não sejais impacientes, que nós lá chegaremos. Porque a Igreja não pode ficar amarrada, como disse D. Avelar Brandão. E aí está o princípio esparso em toda a moderna civilização. O princípio que envenenou o Concílio. O princípio que Dom Lefebvre recusa. A Igreja foi fundada sobre pedra e não sobre rodas. E Jesus disse claramente: “Passarão o céu e a terra, mas minhas palavras não passarão”.

E AGORA DR. ALCEU AMOROSO LIMA, duas palavras. Agradavelmente surpreendido com a menção de meu nome em suas colunas, e especialmente agradecido pelo interesse com que o Sr. Vem acompanhando meu declínio, leio sua declaração: “Gustavo Corção, meu amigo durante vinte anos, que perdeu o estilo e o humor”.

CONFESSO que o meu primeiro impulso foi o de soltar a frase de Cyrano de Bergerac: “C’est un peu court jaune homme”.

A segunda tentação foi a de procurar na página do J.B., ou alhures, quem terá encontrado as prendas literárias que o escritor Gustavo Corção perdeu.

PENSANDO MELHOR, achei nas declarações do doutor Alceu matéria de agradecimento, que é muito mais abundante neste vale de lágrimas do que às vezes parece, quando consentimos que a serpente do amor próprio nos dite a conduta e a palavra. Obrigado Dr. Alceu, obrigado pela lembrança da amizade de vinte anos, e pela bondade com que assinalou meu desgaste. Se em todo este inglório batalhar só perdi o estilo e o humor, louvado seja Deus, porque em verdade, nunca me passou pela idéia que todas essas tribulações devem ser suportadas para que na hora de Deus tivesse o direito de clamar: – Combati o bom combate, guardei o estilo e o humor.

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Gustavo Corção