domingo, 27 de setembro de 2020

PRIMEIRA COMUNHÃO [Louis Veuillot - 1813-1883]

Louis Veuillot (1813-1883)*

“Casei-me com a idade de 20 anos. Deus permitiu que encontrasse uma criatura honesta naquela em quem só procurei beleza, espírito e fortuna. Educada, como eu, na ignorância, era, entretanto, muito melhor do que eu.

Ela tinha o senso religioso que se desenvolveu quando ela se tornou mãe; e que praticou depois do nascimento do seu primeiro filho. Quando penso em tudo isso se me enche o coração de sentimentos de gratidão para com Deus, sentimentos que sempre manifestarei parecendo-me entretanto, aquém da realidade. Mas então não pensava assim, e, se minha mulher fosse como eu, creio não teria pensado nem em batizar meus filhos.

Esses filhos cresceram. Os primeiros fizeram sua primeira comunhão, sem que eu prestasse atenção. Deixara sua mãe governar o nosso lar, cheio de confiança nela, e modificado, independente de minha vontade, pelo contato de suas virtudes, que eu sentia e que não via.

Nasceu o último. Tinha ele mal gênio e sem grandes qualidades; se não o amara menos que os outros, estava, entretanto, disposto a usar de mais severidade com ele. A mãe me dizia: «Tenha paciência, ele mudará na época de sua primeira comunhão». Essa mudança, em hora fixa, me parecia muito inverossímil. Entretanto, o menino começou a seguir o catecismo, e eu vi que ele melhorava sensivelmente e com muita rapidez. Prestei atenção ao fato. Via este espírito se desenvolver, esse pequeno coração reagir, o caractere amenizar-se, tornar-se dócil, respeitoso, afetuoso. Eu admirava esse trabalho que a razão não opera nos homens; e o filho que menos amara se me tornava o mais caro.

Ao mesmo tempo fazia graves reflexões sobre uma tal maravilha. Comecei a acompanhar as lições de catecismo.

Ouvindo-as, me lembrava dos cursos de filosofia e de moral; comparava este ensino com a moral, cuja prática eu tinha observado no mundo, ah! sem que eu mesmo me tenha podido preservar sempre dela. O problema do bem e do mal, que eu não tinha encarado de frente pela impossibilidade de o resolver, se me apresentava em toda a terrível evidência. Eu interrogava o menino; ele me dava respostas que me esmagavam. Sentia que as objecções seriam descabidas e culposas. Minha mulher observava e nada dizia; mas eu notava sua assiduidade na oração. Minhas noites eram agitadas. Eu comparava essas duas inocências à minha vida, esses dois amores ao meu; ou dizia: minha mulher e meu filho amam em mim alguma coisa que não amei neles, nem em mim: é minha alma.

Entramos na semana da primeira comunhão. Já não era somente afeição que o menino me inspirava, era um sentimento que eu não explicava, que me parecia estranho, quase humilhante, e que se traduzia algumas vezes em uma espécie de irritação: eu o respeitava. Ele me dominava. Não ousava manifestar em sua presença certas ideias que o estado de luta em que eu estava contra mim mesmo produzia algumas vezes em meu espírito. Não queria que elas lhe fizessem impressão.

Faltavam apenas cinco ou seis dias. Uma manhã, voltando da missa, o menino veio me procurar no meu gabinete, onde eu estava só.

—«Pai, me disse ele, não irei ao altar no dia da minha primeira comunhão sem vos ter pedido perdão de todas as faltas que tenho cometido, de todos os pesares que vos tenho causado, e sem que me tenhais abençoado. Pensai em todo o mal que tenho feito para me admoestar, afim de que não repita e para me perdoar.

—«Meu filho, respondi, um pai perdoa tudo, mesmo a um filho que não é bom; mas eu tenho a satisfação de poder te dizer que neste momento nada tenho a te perdoar. Estou contente contigo. Continua a trabalhar, a amar o bom Deus, a ser fiel a teus deveres; tua mãe e eu seremos muito felizes.

 — «Sim! meu pai, o bom Deus que vos ama tanto me dará forças, para que seja vossa consolação, como desejo. Orai muito por mim, meu pai.

—Sim, meu caro filho.

Ele me fitou com os olhos húmidos, e passou os braços em torno do meu pescoço.

Eu estava muito enternecido.

—Pai?, continuou ele.

—O que, meu caro filho?

—Pai, tenho uma coisa que vos pedir.

Eu via bem que ele queria me pedir alguma coisa, e o que ele queria me pedir, eu o sabia bem! E, devo confessar, tinha receio! Tive a fraqueza de me aproveitar de suas hesitações.

—Vai, lhe disse, estou muito ocupado neste momento. Logo mais ou amanhã, me dirás o que desejas e, si tua mãe aprovar, eu t'o darei.

O pobre pequeno, muito confuso, não teve coragem e, depois de me ter abraçado ainda uma vez, se retirou desconcertado para o pequeno quarto, onde dormia, entre meu gabinete e o quarto de sua mãe.

Eu tive remorsos do pesar que lhe tinha ocasionado, e principalmente do movimento a que tinha obedecido.

Acompanhei este caro filho, na ponta dos pés, para consolá-lo se o visse aflito. A porta estava entreaberta. Olhei sem que ele percebesse.

Estava de joelhos, defronte de uma pequena imagem da Santa Virgem; orava com toda a efusão.

Ah! vos asseguro que nesse momento senti toda impressão que pode produzir o aparecimento de um anjo.

Fui assentar-me junto à minha escrivaninha, com a cabeça nas mãos, prestes a chorar. Fiquei assim alguns instantes. Quando abri os olhos, meu filhinho estava diante de mim, com a fisionomia em que se notava temor, resolução e amor.

—Meu caro pai, me disse ele, o que tenho que vos pedir não pode ser adiado e minha mãe aprovará; é que no dia de minha primeira comunhão, me acompanhem, vós e ela, à santa mesa. Não m'o recuseis, meu pai. Fazei isso pelo bom Deus, que vos ama tanto.

Ah! Não procurei lutar mais contra esse Deus, que se dignava por essa fôrma me chamar. Apertei, chorando, meu filho contra meu coração.

—Sim, sim - lhe disse -, sim, meu filho, eu o farei. Quando tu quiseres, hoje mesmo tu me levarás pela mão junto do teu confessor, e lhe dirás:

Eis aqui meu pai...

***

 *Nota: Louis Veuillot foi uma das figuras mais proeminentes do laicato francês de seu tempo. Entre outras obras de destaque, foi autor do magnífico “A ilusão liberal”, cuja leitura é indispensável para que se possa compreender o processo de defecção da fé que sucedeu ao Concílio Vaticano II 

A entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares [Frei Bemvindo Destéfani O.F.M - 1934]

 

Em 1639, desposavam-se Cláudio Alacoque e Felisberta Lamyn, ambos da alta nobreza da França. Deste consorcio nasceram vários filhos, entre os quais Margarida Maria que, mais tarde, se tornaria celebre tanto pelas suas virtudes pessoais como pelas obras portentosas a que deu grande impulso, mormente, pela sua extraordinária devoção ao Sacratíssimo Coração de Jesus.

Esmeradamente educada no castelo da família, Margarida Maria, aos 18 anos de idade, passou pelo duro golpe de perder o extremoso progenitor. Felisberta Lamyn enviuvou, ficando a seu cargo a administração dos vastos bens que Cláudio Alacoque lhe deixara em testamento.

Atarefadíssima com os negócios da família, Felisberta Lamyn entregou sua filha Margarida Maria aos cuidados de ilustradas religiosas que, naquela cidade, dirigiam conceituado estabelecimento de ensino e de educação. Primorosamente preparada tanto pela progenitora antes de sua viuvez, como peIas religiosas, aos nove anos de idade, Margarida Maria pode abeirar-se, pela vez primeira, à Mesa da Comunhão. No recinto colegial, Margarida Maria adoeceu gravemente, vendo-se constrangida a voltar junto à mãe, fazendo, ao mesmo tempo, a promessa de abraçar a vida religiosa, caso recuperasse a saúde. Devido aos cuidados maternos, ficou plenamente restabelecida da moléstia. Em vez de dar tratos de cumprir sua promessa viveu largo tempo esquecida dela, até que Deus lhe enviou outra enfermidade que a levou aos vestíbulos da campa.

Na tribulação, recordou-se novamente da sua promessa de consagrar-se, no claustro, inteiramente a Deus. E de fato, a graça, agora, leva de vencida a natureza. Desprezando várias ofertas de núpcias, ingressou no convento da Visitação em 19 de junho de 1671.

Este gesto altivo, Deus recompensou-o mui galhardamente. De uma devoção acrisolada ao Santíssimo Sacramento, Jesus dignou-se aparecer diversas vezes à Margarida Maria. Em aparições reiteradas, o Divino Mestre solicitou de sua serva que se empenhasse na celebração da primeira sexta-feira de cada mês com a respectiva Comunhão reparadora, e, na instituição de uma festa ao Divino Coração, na primeira sexta-feira depois da oitava de Corpus Christi.

Noutra aparição, o Divino Redentor fez-lhe doze promessas em favor dos devotos do Sagrado Coração. A segunda e a nona destas doze promessas são do teor seguinte:

- Darei paz às famílias e abençoarei as casas onde estiver exposta e for venerada a Sagrada Imagem do meu Coração amantíssimo.

Destas duas promessas originou-se o costume de entronizar a imagem do Sagrado Coração de Jesus nos lares, piedosa devoção essa destinada, pelo culto do Divino Coração, a atrair sobre as famílias cristãs a paz e a benção do amantíssimo Senhor.

De origem, aliás, antiga, este piedoso costume de consagrar as famílias aos desvelos do Divino Coração teve enorme impulso pelo sacerdote Matheus Crawley Boevey. Vivendo este padre na República do Chile e, sofrendo de moléstia que julgava incurável, peregrinou ao Santuário de Paray-le-Monial, em França, onde se veneram os restos mortais de Santa Margarida Maria Alacoque e ali obteve cura milagrosa da pertinaz enfermidade. Em reconhecimento, prometeu interessar-se com todas as veras, pela entronização nos lares cristãos, da sagrada imagem do Coração de Jesus. O Papa Pio X, a quem expôs seus projetos, animou-o vivamente, aprovando sua obra e concedendo à mesma várias indulgencias. Foi tão rápida a difusão do piedoso exercício de consagrar as famílias ao Divino Coração, que devido principalmente aos esforços do incansável Padre Matheus Crawley Boevey, trampos, a breve trecho, as fronteiras do Chile, estendeu-se sobre toda a América, passando, em breve, para os outros continentes do globo. Em 1915, orçava em três milhões (3.000.000) o número dos lares consagrados ao Divino Coração. O espirito desta obra é duplo.

É DE AMOR. Quer Jesus que tenhamos fé no seu coração e nas suas promessas. Seu amor para conosco reclama amor para com Ele. Amor com amor se paga!

É DE REPARAÇÃO. Pela entronização de Jesus num lar cristão devem ser reparados, quanto possível, os atentados do mundo corrompido contra a santidade da família e contra a soberania do Redentor que deve ser Rei de todos os corações.

***

- Darei paz ás famílias e abençoarei as casas onde estiver exposta e for venerada a minha sagrada imagem.

Em vista destas tão valiosas promessas, quem não se interessaria pela entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares?...

Amigos, mãos à obra, mormente neste mês de junho, consagrado de um modo todo peculiar ao Coração Divino! Amigos, todos a posto, pela santificação da família e pela difusão do reinado de Cristo! Todos, mãos à obra!...

*****

Frei Bemvindo Destéfani, O.F.M [publicado no Jornal O lar católico, edição de 3 de junho de 1934].

domingo, 13 de setembro de 2020

Como poderemos vencer o diabo [do Catecismo dos Párocos - 1873]

 §. 18. Como poderemos vencer o diabo.

E vence se Satanás, não com ócio, sono, vinho, comida, desordenado desejo; mas com oração, trabalho, vigília, jejum, temperança, castidade. “Vigiai e orai, diz o Senhor (como jatemos dito) para que não entreis em tentação”. Os que para esta peleja usam destas armas, fazem fugir os contrários; porque o diabo fugirá dos que lhe resistem. Porém nestas vitórias dos homens santos, que temos dito, ninguém se lisonjeie, nenhuma pessoa se levante com soberba confiando que com suas forças poderá vencer as inimigas tentações dos demônios, e seus encontros: isto não é obra de nossa natureza, nem da fraqueza humana; mas somente do poder divino.

 

§.  19. Como Deus é quem nos dá todas as forças para vencer.

Estas forças, com que vencemos os Ministros de Satanás são dadas por Deus, o qual põe nossos braços como arco de metal, com cuja ajuda “é vencido o arco dos fortes, e os fracos são armados de força”; o qual nos dá socorro de saúde, cuja mão direita nos recolhe, o qual ensina nossas mãos para a batalha, e nossos dedos para a guerra, para que só a Deus se deem, e rendam graças pela vitória; pois só sendo dele autor, e ajudador podemos vencer: o que fez o Apóstolo, porque diz: “Graças a Deus, que nos deu vitória por Jesus Cristo Nosso Senhor”.

O mesmo autor da vitória apregoa aquela voz celestial em o Apocalipse: “É feita saúde, e virtude, e reino do nosso Deus, e poder de seu Ungido: porque foi lançado fora o acusador de nossos irmãos, e eles o venceram pelo sangue do Cordeiro”.

O mesmo livro dá testemunho da vitória alcançada por Cristo Nosso Senhor do mundo e da carne no lugar onde diz:

“Estes pelejam com o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá”. Estas cousas são ditas da causa e do modo de vencer.

 

§. 20. Quais são os prêmios dos vencedores nesta batalha espiritual.

As quase declaradas proporão os párocos ao povo fiel as coroas aparelhadas por Deus, e a sempiterna grandeza de dons deputada para os vencedores. Dos quais dons darão testemunhos divinos do mesmo Apocalipse: “O que vencer não receberá dano da morte segunda”; e em outro lugar: “Quem vencer, assim será vestido de vestiduras alvas, e não apagarei seu nome do livro da vida, e confessarei seu nome perante meu Padre, e perante seus Anjos”; e um pouco adiante o mesmo

Deus, o Senhor Nosso diz assim a S. João: “O que vencer fá-lo-ei coluna no templo de meu Deus, e não sairá mais fora”. Além disto diz: “Ao que vencer farei assentar-se comigo em meu trono: como eu também venci, e me assentei com meu Padre em seu trono. Finalmente, depois que declarou a glória dos Santos, e aquela abastança de bens, de que no céu hão de gozar, acrescentou: Quem vencer possuirá estas cousas”.

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- Extraído do Catecismo dos Párocos (1873). Da sexta petição: capítulo XV – E não sejamos trazidos em tentação




segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Cruz Salvadora! [Frei Benvindo Destafani - 1957]



A brutalidade dos fatos demonstra que a teoria que aquilata o moral pelo intelectual dos povos não é fazenda fina, mas uma baeta. Não é uma verdade, mas um sofisma. A história universal, este resumo da humanidade, patenteia claramente que não há progresso social, onde o espírito religioso se enfraquece, oblitera ou morre.
Muitos invocam a liberdade como salvatério. Deveras. A liberdade é um grande princípio que, mal dirigido, pode tornar-se anárquico e desorganizador. Pois, a liberdade é qual um cavalo fogoso, o qual carece de freio para conter-lhe os passos, a marcha precipitada que, sem o freio, leva o cavaleiro ao precipício.
A única formula salvadora é a cruz de Cristo. A cruz é o martírio, mas é a genuína liberdade. Porquanto, sem religião não há vida moral. Cristo plantou, entre dores e lágrimas, a suprema verdade na cruz.
O nauta, açoitado por iroso oceano, volve-se para cruz. O agonizante procura a cruz nos derradeiros paroxismos.
Assim, as nações deverão pedir à cruz alento, vigor e vida. A cruz deverá ser a bandeira e o lema que salvará o mundo. A cruz de Cristo jamais capitulará, porque cravada nas mais altas trincheiras do coração e da razão. A cruz é martírio, mas é liberdade! Voltemos à cruz salvadora!
No turbilhão que varre a humanidade, tudo passa. A filosofia chocha, a ciência balofa, o progresso fementido, tudo isso desaparece. Só não morre a religião da cruz, porque essa é o pólo, seguro e imóvel no seio da eterna flutuação das coisas criadas:

Stat cruz dum vólvitur orgis: “Permanece inconcussa a cruz, enquanto gira o orbe!”

A doutrina da cruz varre a mentira, despedaça os erros, encoraja os humildes, requeima os orgulhosos, dardeja verdades e destrói ídolos que o mundo adora.
Curvemo-nos, portanto, ante a sacrossanta cruz, único farol que, neste turbilhão de poeira dos tempos modernos, pode rasgar as trevas que encobrem o futuro sombrio e presago! Ave, cruz, spes única!...

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Frei Benvindo Destafani [O. F. M]. Ao entardecer, São Paulo: Edições Paulinas, 1957, p. 237-239.

A independência: legado e lição [Gustavo Corção]


A independência do Brasil, por razões profundas e a despeito de todas as intrigas com que se tecem as histórias superficiais dos povos, foi a transmissão de um legado, e só merece ser hoje comemorada festivamente se esse legado foi dignamente cumprido.
***
Hoje, o Brasil, graças ao movimento de 64, emancipou-se do mais cruel e estúpido imperialismo: o da ideologia revolucionaria que, no mundo inteiro, inebria os ‘intelectuais’ e envenena as fontes de informação. Sim, o que está poluído – como gritou o doutor Thomas Stockmann no ‘Inimigo do Povo’ de Ibsen – não é o ar que respiramos, nem são as fontes d’água que bebemos, é antes a trama de informações e o sistema de comunicações da civilização em agonia. E dentro deste envoltório o Brasil deu ao mundo inteiro uma lição de real independência. Resistindo à mais volumosa e eficiente cadeia de calúnias e pressões, o Brasil de hoje repeliu os adversários de sua vocação e proclamou, ou melhor, confirmou gloriosamente seus cento e cinquenta anos de independência. O Brasil será um baluarte dos valores cristãos, ou não será o Brasil”.

Gustavo Corção. A independência do Brasil, O Estado de S. Paulo, 7/9/1972.


sábado, 5 de setembro de 2020

Pastoral contra o alistamento dos fiéis na seita maçônica - D. Joaquim Gonçalves de Azevedo, Bispo de Goiás (1876)


Pastoral
D. JOAQUIM GONÇALVES DE AZEVEDO (1814 — 1879), por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de Goiás.

Aos nossos muito amados diocesanos, saúdo, paz e benção cm Jesus Cristo Nosso Divino Redentor.

Quando nós estávamos na firme convicção, amados filhos, de que o bom senso, o desejo da paz e a razão bem esclarecida pela ruidosa luta religiosa, que apareceu na nossa pátria, tivesse posto a todos os nossos diocesanos fora da dúvida de que a maçonaria é uma seita inimiga da Religião Cristã, soubemos com muito pesar, que algumas pessoas da capital se alistaram nela com grande escândalo e talvez perdição de muitas almas piedosas.
Pesa-nos a pena, amados filhos, ao escrever-vos esta carta: arrazam-se-nos os olhos de lágrimas ao fazermos ao mundo católico esta denuncia tão desairosa dos sentimentos religiosos desses nossos queridos filhos, que sempre viveram nos braços da Santa Igreja de Jesus Cristo: desses nossos amigos, que agora esqueceram a religião, no seio da qual nasceram e tinham vivido em obediência aos seus pastores espirituais, e na prática das virtudes cristãs, servindo de exemplo aos fiéis em cuja comunhão estavam pela profissão de fé, jurada no batismo.
Responsáveis como somos pela salvação das almas, não podemos deixar de levantar a nossa voz para vos dizer que erradamente caminham no negócio da salvação eterna todos aqueles que se filiam na maçonaria, seita que se acha legitima e competentemente condenada com uma excomunhão lançada pelos Sumos Pontífices, em virtude do poder que lhes foi dado por Nosso Senhor Jesus Cristo, quando disse a S. Pedro: - tudo aquilo que ligam sobre a terra será lambem ligado no céu - excomunhão motivada pelo fim a que se destina esta seita, subversiva da boa ordem, moral evangélica e religião santa que professamos.
Não tomamos a tarefa de provar aqui o fim da maçonaria, porque todos sabem que ela é contra a Religião Cristã, e só não enxergam o alvo, ao qual se dirigem os seus ataques, aqueles que não o querem, realizando-se neles o adagio de que: o pior cego é o que não quer ver.
Sim, amados filhos! Estão bem manifestos e postos ao alcance de todos e correndo de mão em mão os documentos mais autênticos, nos quais não se oculta o espirito quo anima aos da seita, em qualquer parte do mundo em que estejam; e quando não houvessem estas provas, bastaria a linguagem dos membros que se mostram mais desenvolvidos nos seus segredos, ou que se ostentam mais dedicados. Blasfemam contra o Papa, cuja autoridade não reconhecem; contra os Bispos, cuja doutrina e ensino de obediência recusam; contra os padres, cuja presença lhes lembra os terríveis juízos do Deus; e contra os fieis ortodoxos, cuja conduta os envergonha e confunde. Só se ocupam das cousas terrenas, e não querem a lei de Deus, que se opõe aos desejos dos seus corações carnais. Negam a revolução e combatem contra a Igreja estabelecida por Nosso Senhor Jesus Cristo. Enganam-se, porém, porque a palavra de Deus não falha.
Eles serão confundidos, amados filhos, e Jesus Cristo reinará para sempre no mundo, que conquistou com a sua Paixão e Morte. Ele é o filho Unigênito de Deus, e como tal não se engana nem nos pode enganar, e foi ele quem disse estas palavras de confiança que animam ao verdadeiro cristão ... edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela - ... eis que eu estarei convosco em todos os dias até a consumação dos séculos - ... o céu e a terra passarão, as minhas palavras, porém não passarão.
Não supomos, contudo, nem mesmo podemos crer que estes nossos diocesanos, que se fizeram maçons, sejam do número desses espíritos fortes, desses filósofos libertinos, desses racionalistas ou deístas, que negam a revelação e a Providência Divina, tendo a Deus por um Ente apático, que não se ocupa deste mundo, não: fazemos justiça aos seus sentimentos religiosos, à sua conduta moral, e a outras qualidades que a impiedade destrói nos corações para plantar neles somente o que é mundano.
Não podemos, todavia, amados filhos, deixar de estranhar a conduta de todos aqueles que se alistam nesta seita. Fazemos certamente com isto uma violência ao nosso coração de pai espiritual e de amigo; porém o dever, o melindre da nossa consciência, a responsabilidade perante Deus e a Igreja Católica, e mesmo o amor e caridade que nutrimos por todos vós, nos forçam a este ato. Somos, apesar da nossa indignidade, o legitimo Delegado do Jesus Cristo no meio de vós, e não podemos sem prevaricação do nosso cargo ocultar os vossos erros, já que estamos postos pelo Espírito Santo para anunciar ao povo fiel os seus delitos, afim de que ele se tire do pecado e viva na graça de Deus.
Nenhuma desculpa pode coonestar a um verdadeiro cristão e bom político na presente época a sua entrada para a maçonaria, quer diga que nunca deixará a sua religião, quer afirme que só tem em vista a proteção que esta seita dá aos seus adeptos.
Certamente, amados filhos, conheceras leis da Igreja de Jesus Cristo na qualidade de seu membro; saber que a uniformidade de pensamento sobre os dogmas, mistérios, doutrina e costumes faz o ponto principal do seu espirito; estar certo de que a obediência à mesma Igreja é que constituí a sua força, escorada na crença da sua estabilidade prometida pelo Salvador do mundo, e ir assentar praça nas fileiras que combatem a esta uniformidade, e que se empenham em vão por desmentir a palavra divina, é manifestar desobediência e rebeldia contra a Santa Igreja, é por si mesmo pôr-se fora da unidade, é deixar de participar dos frutos espirituais que constituem a sua principal riqueza, e que são a escada mais firme e mais fácil para subir ao céu.
Deixar de procurar e insinuar a proteção legitima que nos garante a nossa carta magna e as leis por que se rege a nação, para ir mendiga-la bastarda em uma associação secreta, que não é permitida pelas mesmas leis, e apenas tolerada com escândalo de Iodos, que desprevenidos sabem avaliar o verdadeiro mérito, e desejam a imparcialidade na administração da justiça e distribuição dos cargos; filiar-se em uma associação, que como é sabido, se ostenta em todo o mundo um estado dentro do estado, para proteger unicamente os seus contra o direito, a justiça e a razão: é a maior das desmoralizações, pois indica de antemão ou homizio, ou proteção à impunidade, ou atropelo ao direito; é afrontar a integridade dos juízes e corrompe-los; é desvirtuar a instituição do júri e arruinar a liberdade e a pátria; é fazer perder a ideia do dever; é nutrir o empenho, fonte principal da decadência do mérito baseado na moral, no estudo e verdadeira dedicação; é fazer desaparecer  emulação que eleva o espirito e forma os grandes gênios, que honram a pátria.
Não nos passou desapercebida, amados filhos, a instalação da loja maçônica na capital, no dia 16 de Abril do corrente ano; não: porém a prova dada por todas as pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, pela ocasião do Jubileu do ano santo, tinha posto no nosso animo a mais firme confiança de que ela não se comporia senão dos seus instituidores; e estávamos certos do que nenhum dos nossos diocesanos desta província de Goiás se deixaria arrastar por circunstância alguma, por mais vantajosos que fossem os resultados, para se filiar em uma seita que procura destruir o trono e o altar; e que subvertendo a moral evangélica, pretende plantar a descrença das verdades eternas, das quais a primeira é a vida futura ou no céu com Deus e seus santos, ou no inferno com Satanás o seus anjos.
Sim, amados filhos, ao vermos os templos da nossa capital regurgitando de fieis, onde as principais pessoas se mostravam compenetradas da verdade das indulgências; onde os confessionários e a sagrada mesa manifestavam todos os dias abundante fé; ao vermos ostentarem-se brilhantes as visitas das igrejas pelo quase total concurso dos moradores da capital, o nosso coração se expandia em ações de graça ao Pai das Misericórdias; e ao sabermos dos grandes frutos colhidos nas diversas freguesias do bispado pelas inúmeras reconciliações e extinção das desafeições pessoais, pelos casamentos para reparar o escândalo e por motivos de consciência, pelas restituições e muitas renuncias da maçonaria, bendizíamos o Santo Nome do Senhor e estávamos bem persuadidos de que a fé nesta parte do rebanho de Jesus Cristo, confiada aos nossos fracos cuidados, só merecia louvores da nossa parte, e esperávamos a oportunidade para apresentar ao mundo inteiro a nossa província, como a única que não tinha querido alistar-se debaixo do estandarte do erro, que tem combatido, combate e há de combater contra a verdade.
Fomos iludidos.
Hoje forçosamente e cheios de confusão vos dirigimos estas nossas letras para confessar-vos o nosso engano pela boa fé em que estávamos, e avisar do grande risco que corre a salvação eterna de todo aquele que faz parte da maçonaria.
O pastor que vos está falando, não vos é desconhecido. A sua vida no meio de vós por espaço de nove anos sempre vos esteve bem patente; ele viveu para vós sem distinção de pessoa; nenhuma honra, nenhuma ambição nem glória regulou as suas ações; só o vosso bem, quer espiritual, quer temporal, era o móvel que dirigia os seus atos; pois a única cousa que tinha em vista era o céu, era a salvação das almas, era o amor do próximo, era o desejo de ser útil à pátria. Acautelai-vos, amados filhos, não vos deixeis seduzir por promessas enganadoras de vantagens terrestres, que, se algumas vezes se têm realizado, é com o fim especioso de mais facilmente iludir a simplicidade e boa-fé; não troqueis os bons caducos do mundo pela bem-aventurança eterna.
Sabei que, assim como o vosso nome foi escrito no céu no livro da vida quando fostes regenerados pelas águas do batismo, assim também ele é riscado, logo que deixais de ouvir a Igreja de Deus para dardes ouvido a falsos profetas, anunciados pelo Apóstolo S. Paulo por estas palavras: - haverá tempo em que os homens não quererão seguir a Ira doutrina; mas anelando achar meio que a destrua, buscarão mestres segundo a seu coração corrupto; e, não dando mais atenção à verdade, estarão prontos a ouvir fábulas, que os lisonjeiem.
Quem não leve a fraqueza de dar o seu momo para se alistar na maçonaria, se conserve fiel; e o que teve a infelicidade de filiar-se nela por qualquer circunstância, renuncie o seu erro, e torne a entrar para a Igreja Santa de Jesus Cristo, da qual está legitimamente excluído.
 A obediência, amados filhos, é um dos mais fortes elos da cadeia que nos une a Jesus Cristo. Ligando ela os fiéis aos seus legítimos pastores, os conserva como membros do corpo da Igreja, cuja cabeça é o mesmo Jesus Cristo; e sem ela não se pode ser senão um apóstata, um herege, um renegado. É só dentro da barca de Pedro e bem chegado ao piloto, pela obediência ao seu ensino infalível, que podemos contar certa a nossa salvação eterna; porque fora desta barca não há a comunhão dos bens espirituais; não há a remissão dos pecados; não há a comunicação dos frutos da Paixão e Morto do Salvador por meio dos Sacramentos; não há senão urna presunção temerária de poder salvar-se sem merecimentos.
Certamente; é só nesta verdadeira arca de Noé que podemos confiar na certeza da vida eterna; aqueles que não se acham dentro dela, estão no dilúvio das paixões, na inundação dos erros, e vagam na superfície do pélago imenso dos prazeres carnais e gozos terrenos, que fazem o homem esquecer a sua origem divina.
Não desprezeis, amados filhos e amigos, que vos tendes posto fora da verdadeira Igreja; não desprezeis o chamamento da graça de Deus por meio do nosso ministério. Lembrai-vos que o juízo de Deus é infalível, e ali ninguém poderá alegar ignorância, porque Ele é conhecedor dos mais recônditos segredos do coração.
Se acreditais na eternidade, como sempre destes provas; se tendes a Deus como um Ente de infinita justiça; se credes em Jesus Cristo- Filho Unigênito do Eterno Pai, que veio ao mundo, se fez homem e aqui estabeleceu a sua Igreja, renunciai o vosso erro e tornai a entrar para esta Igreja, da qual estais legitimamente excluídos, com risco da vossa salvação eterna.
E como não tínhamos ainda feito publicar o Breve do Nosso Sumo Pontífice Pio IX, que principia - Quamquam dolores, agora transcrevemos a sua parte essencial para conhecimento de todos, e para que se possam aproveitar da facilidade que o mesmo Sumo Pontífice proporciona para renunciarem a maçonaria aqueles que infelizmente se têm conservado nela.
Eis as suas palavras textuais:

Portanto, lembrados nós que fazemos as vezes d'Aquele que não veio chamar os justos - mas sim os pecadores, julgamos dever seguir os passos do nosso já citado predecessor Leão XII, e por isso suspendemos pelo espaço de um ano inteiro, depois que forem conhecidas estas nossas letras, a reserva das censuras nas quais têm incorrido os que deram o seu nome a essas seitas, e concedemos que eles possam ser absolvidos das mesmas censuras por qualquer confessor, com tanto que seja do número daqueles que são aprovados pelos Ordinários dos lugares em que assistem.
E, se nem este remédio de clemencia afastar os culpados   do nefário propósito, nem retraí-los de seu gravíssimo crime, é nossa vontade que, passado o dito espaço de  um ano, imediatamente reviva a reserva das censuras, que com a nossa autoridade apostólica de novo confirmamos, declarando expressamente, que nenhum, sem exceção, dos adeptos de tais sociedades fica imune destas penas espirituais, qualquer que seja o pretexto que alegarem, ou de boa-fé, ou de extrínseca aparência de probidade, que as referidas seitas parecem ostentar; portanto todos, sem exceção, correm o mesmo perigo de condenação eterna, enquanto aderirem a tais sociedades.

Nada mais fácil, amados filhos e amigos do que aproveitar-vos deste indulto. Não se exige, um ato que seja superior às vossas forças nem uma pública e solene profissão de fé que humilhe o vosso amor próprio, nem tão pouco ação alguma que tenha por antagonista o respeito humano. Uma simples e secreta confissão das vossas culpas a Deus, por intermédio do seu ministro, com aquela humildade própria de quem sabe conhecer a majestade e bondade infinita do Salvador do mundo, a quem tem ofendido, com declaração do seu erro e propósito expresso de não voltar mais a ele; eis quanto a benignidade do Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo exige para ficardes livres da excomunhão, que vos priva dos bens da Igreja em ordem à salvação eterna.
Ó que consolação não será para o vosso Pastor, pai espiritual r amigo, contar de certo, desde este mundo, com a vossa companhia na corte celestial!
Não vos deixeis arrastar pelos desvarios daqueles, que com a presunção de singularidade, negam a Deus e zombam dos santos, da Virgem, da Igreja, do culto, dos ministros da religião e de tudo que é o objeto da veneração e respeitos dos demais; desses que não são católicos apostólicos romanos, que não são protestantes, nem judeus, nem maometanos, e dos quais ninguém sabe qual é a religião, a não ser a dos gozos terrestres, sem nunca se lembrarem que hão de morrer e ser julgados pelo Redentor do mundo.
Eles estão bem descritos, amados filhos, pelo Apóstolo S. Paulo no primeiro capítulo da sua carta aos Romanos. Vós porém, atendei somente à vossa salvação eterna.
Sede os primeiros nas vossas famílias a vos mostrardes piedosos, para que o vosso bom exemplo atraia sobre ela as bênçãos do céu, e possais gozar da paz de consciência, reputados pelos vossos como amigos de Deus no meio deles.
O mundo e o demônio têm o seu partido que combate contra Deus e seus filhos; deixai-os. Procurai que em vossas famílias, pela qual sois responsáveis perante Deus, a Igreja e a pátria, se dê o exemplo das virtudes cristãs, que constituem o verdadeiro progresso nesta vida e asseguram a bem-aventurança na outra.
E vós, filhos-família, que por infelicidade vos tenhais inscrito também nas sociedades secretas, sabei que as lágrimas das vossas piedosas mães são tantas maldições quantas aprouver a Deus lançar sobre vós.
É certo que os seus corações de mães não querem para vós senão a felicidade; mas deles não dependerá a vontade de Deus, quando pretender vingar não só a desobediência à sua Igreja, como o desprezo para com a maternidade, que representa o mesmo Deus.
Por mais ufanos que pareçais, levados pelo vigor da vossa mocidade, não se riscará da vossa alma o sinete da reprovação de Deus pelo vosso proceder menos respeitoso.
Deixai a carreira do crime e procurai somente conseguir um futuro debaixo dos auspícios do céu, que vos possa garantir meios para socorrerdes aos da vossa família, que tem os olhos postos em vós, como única esperança para o seu bem-estar neste mundo. Declaramos que todos os sacerdotes, por nós aprovados, podem absolver aos que estiverem compreendidos na sobredita censura, e marcamos o prazo do ano concedido pelo Sumo Pontífice, a contar da data desta. E para que chegue ao conhecimento de todos esta nossa carta pastoral, mandamos aos Rvds. Vigários e curas a leiam à estação da missa paroquial, registrando-a no livro competente.

Dada em a nossa residência episcopal de Goiás, aos 10 de outubro de 1876.
†Joaquim, Bispo de Goiás.

Que tinha Deus na cruz? [Welder Ayala]


Que tinha Deus na cruz?
Não tinha os movimentos das mãos nem dos pés.
Podia, contudo, mover a cabeça.
O que tinha na cabeça? Uma coroa de espinhos
E quanto pôde aquela adorável cabeça ferida!
Moveu-a para o lado: prometeu o Paraíso;
Moveu-a para baixo: “eis aí tua Mãe”;
Moveu-a para cima: entregou o espírito.

Tinha o seu sangue e o derramou.
Tinha o Coração e o entregou para ser ferido.
Que mais tinha?
Dor, desconforto, sede, tristeza...
Tinha sua voz que perdoou, abençoou, clamou...

Tinha tão pouco à mostra e tanta coisa escondida:
Os sacramentos que brotavam do seu lado transpassado;
A Redenção que então se consumava;
A Igreja que ali nascia...

Por um lado na Cruz Ele nada tinha,
Pois por completo se doava;
Por outro lado na Cruz tinha tudo,
Pois o amor tudo é.

Que mais tinha Deus na cruz?
Tinha a mim em seu Coração
E me amava...
Tinha a mim a seus pés,
Mas a ofendê-lo
E por fim, tinha-me ao lado...
Arrependido.



sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Pequeno Catecismo do Syllabus - Mons. Jean-Joseph Gaume (1802 – 1879)




Encetamos hoje a publicação de uma das obras populares do ilustre escritor MONSENHOR GAUME (1802 – 1879); tem por título “Pequeno Catecismo do Syllabus”. Esta pequena obra foi escrita para a instrução do povo, que ignorando os ensinos da Igreja acerca das verdades católicas, se deixa imbuir dos falsos preconceitos e sofisma dos ímpios.
Hoje o Syllabus é como um espantalho, de que se servem os inimigos da Igreja para afastar os homens da senda do bem, enganar os incautos e precipitá-los nos abismos. A publicação que faremos da obra de Monsenhor Gaume satisfaz a uma das grandes necessidades do nosso tempo: é mais uma eloquente resposta a essa parva impiedade que campeia por todos os lados.
Sempre se atacou o Syllabus; ainda hoje se diz e se propala com inimitável cinismo que esta obra de alta prudência e profundamente teológica, não passa de um grito de guerra da Cúria Romana contra o direito das nações, contra a autonomia dos impérios, contra as legitimas instituições dos povos. Diz-se ainda que o Syllabus é a expressão viva da ambição pontifícia, da pretensão do Papa, querendo tudo avassalar à sua onipotência.
Diz-se, enfim, que o Syllabus é a revolução nos Estados e no mundo, promovida pelo Papa, que antes de tudo deveria buscar a paz, manter a boa harmonia com a humanidade cristã. Monsenhor Gaume em poucas linhas vai lançar por terra esse amontoado de calúnias e inverdades. Não podia mais habilmente confundir os acusadores do Papa e os adversários do Syllabus, do que fazendo um como Catecismo, onde procedendo por perguntas e respostas, põe patente a verdade; mostra, em uma palavra, que o Syllabus condena erros monstruosos, e que o Papa tem a missão, o direito e o dever de em lodo o tempo condenar o erro o proscreve-lo para sempre.
Vamos dar a Introdução ao autor, que melhor fará o seu intento.

INTRODUÇÃO

Aos 20 do Abril de 1873 o S. Pontifice, respondendo aos romeiros de Montpellier, dizia-lhes: “Não basta professar o respeito à Santa Sé, é necessário ainda praticar a obediência ao Syllabus, e à infalibilidade”
A submissão, pois ao Syllubus é um dever de consciência para todos os cristãos, sem exceção alguma.
Todos, por consequência, devem conhecer o Syllabus, e conhece-lo tão bem, que ele seja para cada qual, padres ou simples habitantes das cidades ou dos campos, um oráculo invariável, e um guia sempre presente.
Assim o exige não somente a obediência à Igreja, como também a necessidade de evitarmos as ciladas que em nossos passos armam os inimigos, isto é, os erros que circulam em torno de nós, numerosos quais átomos do ar, e tão contrários aos interesses dos povos, como funestos à salvação das almas.
Todavia cumpre confessa-lo: de todos os documentos providenciais emanados da Santa Sé Apostólica, nenhum talvez haja que se conheça menos e que se compreenda ainda menos do quo o Syllabus. Muitos o conhecem apenas de nome.
Objeto de indiferença para o maior número, não lhes mereceu estudo sério. E como explicaremos àqueles que, enganados por ruins jornais, o tratam de ato infeliz e intempestivo, e até o apresentam como provocador de discórdias e ameaçador da sociedade!
Retificar estas falsas ideias e para sempre mostrar a alta sabedoria do Santo Padre, que apesar de suas privações, vela com uma solicitude continua pela felicidade de todos, tal é o fim deste opúsculo, destinado a espargir a luz, máximo nas classes populares.
Segundo os desejos do imortal Pontífice, já um Catecismo da Infalibilidade, aprovado pela Santa Sé, foi publicado em Paris; desejamos fazer o mesmo a respeito do SYllabus. Por este modo, cada filho da Igreja, de qualquer condição que seja, terá um duplo facho para alumiar-lhe os passos, e com segurança distinguir o caminho da verdade por entre as veredas do erro, hoje numerosíssimas.

CAPÍTULO I
O Syllabus

P. Que é o Syllabus?
R. O Syllabus é o complexo dos principais erros, espalhados hoje no mundo, e já condenados pela Igreja.

P. O Syllabus é necessário?
R. Perguntar se é necessário o Syllabus é perguntar se ao viajante é necessário um guia fiel, sendo ele obrigado a transitar durante a noite por uma floresta desconhecida e semeada de precipícios.

P. Que precipícios são estes?
R. Estes precipícios são os erros do gênero espalhados atualmente no mundo inteiro, e que constituem um perigo permanente, não somente para a fé do cristão, como também para a conservação da sociedade.

P. Que faz, pois, o Syllabus?
R. Afim de que Iodos possam facilmente conhecer estes diferentes erros e evitá-los, o Syllabus os reúne em algumas páginas, o dá nova força ás condenações precedentes.

P. Como devemos considerar o Syllabus?
R. Devemos considerar o Syllabus: 1º como uma prova da solicitude com que o Santo Pontífice vela sobre o mundo; 2º como a bussola do cristão e a carta das nações; por conseguinte, como um grande benefício, porquanto traçando o caminho que devemos seguir, obsta a que nos extraviemos e nos percamos.


CAPÍTULO II
A obediência ao Syllabus

P. Como é que devemos obedecer ao Syllabus?
R. Devemoms obedecer ao Syllabus, como devemos obedecer aos ensinos do Sumo Pontífice o da igreja.

P. Qual devo ser esta obediência?
R. Esta obediência deve ser uma obediência de espirito, de coração e de conduta.

P. Em que consiste a obediência do espírito?
R. A obediência de espirito consiste em crer firmemente, e sem sofismas, tudo o que ensina o Syllabus, e condenar absolutamente ludo o que ele condena, e no sentido em que o condena.

P. Em que consisto a obediência do coração?
R. A obediência do coração consiste em abraçar com gratidão todas as doutrinas do Syllabus.

P. E por que?
R. Porque o Syllabus nos põe de posse da verdade, que é o maior de todos os bens.

P. Em que consiste a obediência de conduta?
R. A obediência de conduta consiste em conformarmos, em particular como em público, as nossas palavras e ações com os ensinos do Syllabus.


CAPÍTULO III
Necessidade da obediência ao Syllabus

P. É necessária a tríplice obediência de que acabais de falar?
R. A tríplice obediência de que falamos, é absolutamente necessária; de outro modo a submissão puramente exterior seria nada mais do que culposa hipocrisia.

P. Quo juízo devemos formar daqueles que, conhecendo o Syllabus, não lhe prestam obediência?
R. O juízo quo devemos formar daqueles que, conhecendo o Syllabus, não lhe prestam obediência, é que perdem a si e aos outros.

P. Que devemos pensar, porém, dos que por ignorância, não obedecem ao Syllabus?
R. Devemos pensar dos que, por ignorância não obedecem ao Syllabus, que se expõem a cometer pecados mais ou menos graves, caindo em erros mais ou menos voluntários.

P. Que segue-se daí?
R. Segue-se que todos devem conhecer o Syllabus, porque Iodos estão igualmente empenhados em conhecer a verdade e serem preservados do erro.

P. A quem é mais particularmente necessário este conhecimento?
R. Este conhecimento é particularmente necessário àqueles que tem o encargo de instruir e governar os outros.

P. Qual é o fim deste catecismo?
R. O fim deste catecismo é fazer chegar a todas as classes da sociedade o conhecimento do Syllabus e as obrigações que nos impõe.


CAPITULO IV
Erros condenados pelo Syllabus: o panteísmo, o naturalismo e o racionalismo absoluto.

P. Que contém o Syllabus?
R. O Syllabus contém oitenta proposições, que se podem ligar a dez capítulos diferentes, conforme a natureza dos erros condenados.

P. Quais são os primeiros erros condenados pelo Syllabus?
R. Os primeiros erros condenados pelo Syllabus são: o panteísmo, o naturalismo, o racionalismo absoluto.

P. Que é o panteísmo?
R. O panteísmo é um erro, que consiste em afirmar-se que tudo é Deus, o homem e o  mundo, o espírito e a matéria.

P. Que é o naturalismo?
R. O naturalismo é um erro que consiste em negar a necessidade da revelação, o sustentar que o homem, só com as luzes da razão, pode chegar ao conhecimento de todas as verdades, e só com as forças de sua natureza praticar todas as virtudes necessárias à salvação.

P. Que é o racionalismo absoluto?
R. O racionalismo absoluto é o sistema errôneo dos que pretendem, que a razão do homem é independente de toda a autoridade dogmática, e que ela é a única guia e luz de si mesma.


CAPITULO V

P. Como é que estes três erros são expostos e condenados pelo Syllabus?
R. Estes três erros são expostos e condenados pelo Syllabus nas seguintes proposições:
1ª Além deste mundo universo, não existe ente algum divino, superior a tudo, infinitamente sábio e governando o mundo com admirável perfeição. Deus é a mesma cousa que a natureza e sujeito a mudanças. Deus identifica-se realmente com o homem e o mundo; de sorte que todas as cousas são Deus, têm a mesma substancia que Deus, e tanto é assim, que Deus e o mundo são uma só e mesma cousa: o espírito e a matéria; a necessidade e a liberdade; o verdadeiro e o falso; o bem e o mal; o justo e o injusto; uma só e mesma cousa.

2ª Não há da parte de Deus ação alguma sobre o homem e o mundo.

3ª A razão humana, sem importar-se com Deus, é o único árbitro do verdadeiro e do falso, do bem e do mal, não reconhece outra lei senão a si própria, e só com as suas forças naturais basta para governar os particulares e os povos.

4ª Todas as verdades da religião derivam da força da razão humana.
É assim que a razão é a regra principal, pela qual o homem pode e deve adquirir o conhecimento de todas as verdades, de qualquer gênero que sejam.

5ª A revelação divina é imperfeita; eis porque está sujeita a um progresso continuo e indefinido, o qual devo corresponder ao progresso da humana razão.
6ª A fé cristã repugna à razão; e a revelação divina, não somente de nada serve, mas ainda é nociva à perfeição do homem.
7ª As profecias e os milagres contidos e narrados nas Santas Escrituras são puras invenções poéticas; os mistérios da fé cristã um resumo das investigações dos filósofos. Os livros do Velho e Novo Testamento contém invenções fabulosas, e o próprio Jesus Cristo é um mito.

P. Que devemos pensar do todos estes erros?
R. Devemos pensar de todos estes erros o seguinte: que são um insulto à fé do gênero humano; a degradação de Deus e do homem; a destruição radical da religião e da sociedade, a total conflagração do mundo na mais estupenda confusão.

P. Que segue-se daí?
R. Segue-se daí que o Syllabus, que os condena, é um benefício, de que devemos mostrar-nos muito gratos.

[continua...]