Pastoral
D. JOAQUIM
GONÇALVES DE AZEVEDO (1814 — 1879), por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica,
Bispo de Goiás.
Aos nossos muito amados diocesanos, saúdo, paz
e benção cm Jesus Cristo Nosso Divino Redentor.
Quando nós estávamos
na firme convicção, amados filhos, de que o bom senso, o desejo da paz e a
razão bem esclarecida pela ruidosa luta religiosa, que apareceu na nossa
pátria, tivesse posto a todos os nossos diocesanos fora da dúvida de que a maçonaria é uma
seita inimiga da Religião Cristã,
soubemos com muito pesar, que algumas pessoas da capital se alistaram
nela com grande escândalo e talvez perdição de
muitas almas piedosas.
Pesa-nos a pena,
amados filhos, ao escrever-vos esta carta: arrazam-se-nos os olhos de lágrimas
ao fazermos ao mundo católico esta denuncia tão desairosa dos sentimentos
religiosos desses nossos queridos filhos, que sempre viveram nos braços da
Santa Igreja de Jesus Cristo: desses nossos amigos, que agora esqueceram a
religião, no seio da qual nasceram e tinham vivido em obediência aos seus
pastores espirituais, e na prática das virtudes cristãs, servindo de exemplo
aos fiéis em cuja comunhão estavam pela profissão de fé, jurada no batismo.
Responsáveis como somos
pela salvação das almas, não podemos deixar de levantar a nossa voz para vos
dizer que erradamente caminham no negócio da
salvação eterna todos aqueles que se filiam na maçonaria, seita que se acha
legitima e competentemente condenada com uma excomunhão lançada pelos Sumos
Pontífices, em virtude do poder que lhes foi dado por Nosso Senhor Jesus Cristo,
quando disse a S. Pedro: - tudo aquilo que ligam sobre a terra será lambem
ligado no céu - excomunhão motivada pelo fim a que se destina esta seita,
subversiva da boa ordem, moral evangélica e religião santa que professamos.
Não tomamos a tarefa
de provar aqui o fim da maçonaria, porque todos sabem que ela é contra a
Religião Cristã, e só não enxergam o alvo, ao qual se dirigem os seus ataques, aqueles
que não o querem, realizando-se neles o adagio de que: o pior cego é o que não
quer ver.
Sim, amados filhos!
Estão bem manifestos e postos ao alcance de todos e correndo de mão em mão os
documentos mais autênticos, nos quais não se oculta o espirito quo anima aos da
seita, em qualquer parte do mundo em que estejam; e quando não houvessem estas
provas, bastaria a linguagem dos membros que se mostram mais desenvolvidos nos
seus segredos, ou que se ostentam mais dedicados. Blasfemam contra o Papa, cuja
autoridade não reconhecem; contra os Bispos, cuja doutrina e ensino de
obediência recusam; contra os padres, cuja presença lhes lembra os terríveis
juízos do Deus; e contra os fieis ortodoxos, cuja conduta os envergonha e
confunde. Só se ocupam das cousas terrenas, e não querem a lei de Deus, que se
opõe aos desejos dos seus corações carnais. Negam a revolução e combatem contra
a Igreja estabelecida por Nosso Senhor Jesus Cristo. Enganam-se, porém, porque
a palavra de Deus não falha.
Eles serão
confundidos, amados filhos, e Jesus Cristo reinará para sempre no mundo, que
conquistou com a sua Paixão e Morte. Ele é o filho Unigênito de Deus, e como
tal não se engana nem nos pode enganar, e foi ele quem disse estas palavras de
confiança que animam ao verdadeiro cristão ... edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela - ... eis que eu estarei convosco em todos os dias
até a consumação dos séculos - ... o
céu e a terra passarão, as minhas palavras, porém não passarão.
Não supomos, contudo,
nem mesmo podemos crer que estes nossos diocesanos, que se fizeram maçons,
sejam do número desses espíritos fortes,
desses filósofos libertinos, desses racionalistas ou deístas, que negam a
revelação e a Providência Divina, tendo a Deus por um Ente apático, que não se ocupa
deste mundo, não: fazemos justiça aos seus sentimentos religiosos, à sua conduta
moral, e a outras qualidades que a impiedade destrói nos corações para plantar neles
somente o que é mundano.
Não podemos, todavia,
amados filhos, deixar de estranhar a conduta de todos aqueles que se alistam
nesta seita. Fazemos certamente com isto uma violência ao nosso coração de pai
espiritual e de amigo; porém o dever, o melindre da nossa consciência, a responsabilidade
perante Deus e a Igreja Católica, e mesmo o amor e caridade que nutrimos por
todos vós, nos forçam a este ato. Somos, apesar da nossa indignidade, o legitimo
Delegado do Jesus Cristo no meio de vós, e não podemos sem prevaricação do
nosso cargo ocultar os vossos erros, já que estamos postos pelo Espírito Santo
para anunciar ao povo fiel os seus delitos, afim de que ele se tire do pecado e
viva na graça de Deus.
Nenhuma desculpa pode coonestar
a um verdadeiro cristão e bom político na presente época a sua entrada para a
maçonaria, quer diga que nunca deixará a sua religião, quer afirme que só tem
em vista a proteção que esta seita dá aos seus adeptos.
Certamente, amados
filhos, conheceras leis da Igreja de Jesus Cristo na qualidade de seu membro;
saber que a uniformidade de pensamento sobre os dogmas, mistérios, doutrina e
costumes faz o ponto principal do seu espirito; estar certo de que a obediência
à mesma Igreja é que constituí a sua força, escorada na crença da sua
estabilidade prometida pelo Salvador do mundo, e ir assentar praça nas fileiras
que combatem a esta uniformidade, e que se empenham em vão por desmentir a
palavra divina, é manifestar desobediência e rebeldia contra a Santa Igreja, é
por si mesmo pôr-se fora da unidade, é deixar de participar dos frutos
espirituais que constituem a sua principal riqueza, e que são a escada mais
firme e mais fácil para subir ao céu.
Deixar de procurar e
insinuar a proteção legitima que nos garante a nossa carta magna e as leis por
que se rege a nação, para ir mendiga-la bastarda em uma associação secreta, que
não é permitida pelas mesmas leis, e apenas tolerada com escândalo de Iodos,
que desprevenidos sabem avaliar o verdadeiro mérito, e desejam a imparcialidade
na administração da justiça e distribuição dos cargos; filiar-se em uma
associação, que como é sabido, se ostenta em todo o mundo um estado dentro do estado, para proteger unicamente os seus contra
o direito, a justiça e a razão: é a maior das desmoralizações, pois indica de
antemão ou homizio, ou proteção à impunidade, ou atropelo ao direito; é afrontar
a integridade dos juízes e corrompe-los; é desvirtuar a instituição do júri e
arruinar a liberdade e a pátria; é fazer perder a ideia do dever; é nutrir o
empenho, fonte principal da decadência do mérito baseado na moral, no estudo e
verdadeira dedicação; é fazer desaparecer emulação que eleva o espirito e forma os grandes
gênios, que honram a pátria.
Não nos passou
desapercebida, amados filhos, a instalação da loja maçônica na capital, no dia
16 de Abril do corrente ano; não: porém a prova dada por todas as pessoas de
ambos os sexos e de todas as idades, pela ocasião do Jubileu do ano santo,
tinha posto no nosso animo a mais firme confiança de que ela não se comporia
senão dos seus instituidores; e estávamos certos do que nenhum dos nossos
diocesanos desta província de Goiás se deixaria arrastar por circunstância
alguma, por mais vantajosos que fossem os resultados, para se filiar em uma seita que procura destruir o trono e o altar;
e que subvertendo a moral evangélica,
pretende plantar a descrença das verdades eternas, das quais a primeira é a
vida futura ou no céu com Deus e seus santos, ou no inferno com Satanás o seus
anjos.
Sim, amados filhos, ao
vermos os templos da nossa capital regurgitando de fieis, onde as principais
pessoas se mostravam compenetradas da verdade das indulgências; onde os confessionários
e a sagrada mesa manifestavam todos os dias abundante fé; ao vermos
ostentarem-se brilhantes as visitas das igrejas pelo quase total concurso dos
moradores da capital, o nosso coração se expandia em ações de graça ao Pai das
Misericórdias; e ao sabermos dos grandes frutos colhidos nas diversas freguesias
do bispado pelas inúmeras reconciliações e extinção das desafeições pessoais,
pelos casamentos para reparar o escândalo e por motivos de consciência, pelas
restituições e muitas renuncias da maçonaria, bendizíamos o Santo Nome do
Senhor e estávamos bem persuadidos de que a fé nesta parte do rebanho de Jesus
Cristo, confiada aos nossos fracos cuidados, só merecia louvores da nossa
parte, e esperávamos a oportunidade para apresentar ao mundo inteiro a nossa província,
como a única que não tinha querido alistar-se debaixo do estandarte do erro,
que tem combatido, combate e há de combater contra a verdade.
Fomos iludidos.
Hoje forçosamente e
cheios de confusão vos dirigimos estas nossas letras para confessar-vos o nosso
engano pela boa fé em que estávamos, e avisar do grande risco que corre a
salvação eterna de todo aquele que faz parte da maçonaria.
O pastor que vos está
falando, não vos é desconhecido. A sua vida no meio de vós por espaço de nove anos
sempre vos esteve bem patente; ele viveu para vós sem distinção de pessoa;
nenhuma honra, nenhuma ambição nem glória regulou as suas ações; só o vosso
bem, quer espiritual, quer temporal, era o móvel que dirigia os seus atos; pois
a única cousa que tinha em vista era o céu, era a
salvação das almas, era o amor do próximo, era o desejo de ser útil à pátria.
Acautelai-vos, amados filhos, não vos deixeis seduzir por promessas enganadoras
de vantagens terrestres, que, se algumas vezes se têm realizado, é com o fim
especioso de mais facilmente iludir a simplicidade e boa-fé; não troqueis os
bons caducos do mundo pela bem-aventurança eterna.
Sabei que, assim como
o vosso nome foi escrito no céu no livro da vida quando fostes regenerados
pelas águas do batismo, assim também ele é riscado, logo que deixais
de ouvir a Igreja de Deus para dardes ouvido a falsos profetas, anunciados
pelo Apóstolo S. Paulo por estas palavras: - haverá tempo em que os homens não
quererão seguir a Ira doutrina; mas anelando achar meio que a destrua, buscarão
mestres segundo a seu coração corrupto; e, não dando mais atenção à verdade,
estarão prontos a ouvir fábulas, que os lisonjeiem.
Quem não leve a
fraqueza de dar o seu momo para se alistar na maçonaria, se conserve fiel; e o
que teve a infelicidade de filiar-se nela por qualquer circunstância, renuncie
o seu erro, e torne a entrar para a Igreja Santa de Jesus Cristo, da qual está
legitimamente excluído.
A obediência, amados filhos, é um dos mais
fortes elos da cadeia que nos une a Jesus Cristo. Ligando ela os fiéis aos seus
legítimos pastores, os conserva como membros do corpo da Igreja, cuja cabeça é
o mesmo Jesus Cristo; e sem ela não se pode ser senão um apóstata, um herege,
um renegado. É só dentro da barca de Pedro e bem chegado ao piloto, pela obediência
ao seu ensino infalível, que podemos contar certa a nossa salvação eterna;
porque fora desta barca não há a comunhão dos bens espirituais; não há a
remissão dos pecados; não há a comunicação dos frutos da Paixão e
Morto do Salvador por meio dos Sacramentos; não há senão urna presunção
temerária de poder salvar-se sem merecimentos.
Certamente; é só nesta
verdadeira arca de Noé que podemos confiar na certeza da vida eterna; aqueles
que não se acham dentro dela, estão no dilúvio das paixões, na inundação dos
erros, e vagam na superfície do pélago imenso dos prazeres carnais e gozos terrenos,
que fazem o homem esquecer a sua origem divina.
Não desprezeis, amados
filhos e amigos, que vos tendes posto fora da verdadeira Igreja; não desprezeis
o chamamento da graça de Deus por meio do nosso ministério. Lembrai-vos que o
juízo de Deus é infalível, e ali ninguém poderá alegar ignorância, porque Ele é
conhecedor dos mais recônditos segredos do coração.
Se acreditais na
eternidade, como sempre destes provas; se tendes a Deus como um Ente de infinita
justiça; se credes em Jesus Cristo- Filho Unigênito do Eterno Pai, que veio ao mundo,
se fez homem e aqui estabeleceu a sua Igreja, renunciai o vosso erro e tornai a
entrar para esta Igreja, da qual estais legitimamente excluídos, com risco da
vossa salvação eterna.
E como não tínhamos
ainda feito publicar o Breve do Nosso Sumo Pontífice Pio IX, que principia - Quamquam dolores, agora transcrevemos a
sua parte essencial para conhecimento de todos, e para que se possam aproveitar
da facilidade que o mesmo Sumo Pontífice proporciona para renunciarem a
maçonaria aqueles que infelizmente se têm conservado nela.
Eis as suas palavras textuais:
Portanto, lembrados
nós que fazemos as vezes d'Aquele que não veio chamar os justos - mas sim os pecadores,
julgamos dever seguir os passos do nosso já citado predecessor Leão XII, e por
isso suspendemos pelo espaço de um ano inteiro, depois que forem conhecidas estas
nossas letras, a reserva das censuras nas quais têm incorrido os que deram o
seu nome a essas seitas, e concedemos que eles possam ser absolvidos das mesmas
censuras por qualquer confessor, com tanto que seja do número daqueles que são aprovados
pelos Ordinários dos lugares em que assistem.
E, se nem este remédio
de clemencia afastar os culpados do nefário propósito, nem retraí-los de seu
gravíssimo crime, é nossa vontade que, passado o dito espaço de um ano, imediatamente reviva a reserva das
censuras, que com a nossa autoridade apostólica de novo confirmamos, declarando
expressamente, que nenhum, sem exceção, dos adeptos de tais sociedades fica imune
destas penas espirituais, qualquer que seja o pretexto que alegarem, ou de
boa-fé, ou de extrínseca aparência de probidade, que as referidas seitas
parecem ostentar; portanto todos, sem exceção, correm o mesmo perigo de condenação
eterna, enquanto aderirem a tais sociedades.
Nada mais fácil,
amados filhos e amigos do que aproveitar-vos deste indulto. Não se exige, um ato
que seja superior às vossas forças nem uma pública e solene profissão de fé que
humilhe o vosso amor próprio, nem tão pouco ação alguma que tenha por antagonista
o respeito humano. Uma simples e secreta confissão das vossas culpas a Deus,
por intermédio do seu ministro, com aquela humildade própria de quem sabe
conhecer a majestade e bondade infinita do Salvador do mundo, a quem tem ofendido,
com declaração do seu erro e propósito expresso de não voltar mais a ele; eis
quanto a benignidade do Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo exige para
ficardes livres da excomunhão, que vos priva dos bens da Igreja em ordem à salvação
eterna.
Ó que consolação não
será para o vosso Pastor, pai espiritual r amigo, contar de certo, desde este
mundo, com a vossa companhia na corte celestial!
Não vos deixeis
arrastar pelos desvarios daqueles, que com a presunção de singularidade, negam
a Deus e zombam dos santos, da Virgem, da Igreja, do culto, dos ministros da
religião e de tudo que é o objeto da veneração e respeitos dos demais; desses
que não são católicos apostólicos romanos, que não são protestantes, nem judeus,
nem maometanos, e dos quais ninguém sabe qual é a religião, a não ser a dos
gozos terrestres, sem nunca se lembrarem que hão de morrer e ser julgados pelo Redentor
do mundo.
Eles estão bem descritos,
amados filhos, pelo Apóstolo S. Paulo no primeiro capítulo da sua carta aos Romanos.
Vós porém, atendei somente à vossa salvação eterna.
Sede os primeiros nas
vossas famílias a vos mostrardes piedosos, para que o vosso bom exemplo atraia
sobre ela as bênçãos do céu, e possais gozar da paz de consciência, reputados
pelos vossos como amigos de Deus no meio deles.
O mundo e o demônio
têm o seu partido que combate contra Deus e seus filhos; deixai-os. Procurai
que em vossas famílias, pela qual sois responsáveis perante Deus, a Igreja e a
pátria, se dê o exemplo das virtudes cristãs, que constituem o verdadeiro
progresso nesta vida e asseguram a bem-aventurança na outra.
E vós, filhos-família,
que por infelicidade vos tenhais inscrito também nas sociedades secretas, sabei
que as lágrimas das vossas piedosas mães são tantas maldições quantas aprouver
a Deus lançar sobre vós.
É certo que os seus
corações de mães não querem para vós senão a felicidade; mas deles não
dependerá a vontade de Deus, quando pretender vingar não só a desobediência à
sua Igreja, como o desprezo para com a maternidade, que representa o mesmo Deus.
Por mais ufanos que
pareçais, levados pelo vigor da vossa mocidade, não se riscará da vossa alma o
sinete da reprovação de Deus pelo vosso proceder menos respeitoso.
Deixai a carreira do
crime e procurai somente conseguir um futuro debaixo dos auspícios do céu, que
vos possa garantir meios para socorrerdes aos da vossa família, que tem os
olhos postos em vós, como única esperança para o seu bem-estar neste mundo. Declaramos
que todos os sacerdotes, por nós aprovados, podem absolver aos que estiverem
compreendidos na sobredita censura, e marcamos o prazo do ano concedido pelo
Sumo Pontífice, a contar da data desta. E para que chegue ao conhecimento de
todos esta nossa carta pastoral, mandamos aos Rvds. Vigários e curas a leiam à
estação da missa paroquial, registrando-a no livro competente.
Dada em a nossa
residência episcopal de Goiás, aos 10 de
outubro de 1876.
†Joaquim, Bispo de
Goiás.