sexta-feira, 31 de julho de 2020

O poder das trevas domina ainda o mundo (Alfredo Lage)

Os melhores analistas do nosso tempo coincidem em ver nele aspectos de relevância, ao lado de outros fortemente negativos. Estão concordes com a tradição cristã, a qual sempre viu no mundo uma realidade ambivalente. Deus amou o mundo a ponto de lhe dar seu Filho unigênito. O mundo, nesse sentido básico, ontológico, o mundo da natureza e da criação, Deus declarou-o bom, muito bom (as naturezas são boas num duplo sentido: em si mesmas e nas suas atividades, operações, virtualidades de crescimento). Mas de outro lado, o estado presente desse todo, desse “mundo” é mau: a natureza humana, glória e fim da criatura material, está enferma, tem as forças debilitadas, o crescimento ameaçado. E na medida em que recusa a mensagem da salvação e a virtude saneadora da graça, o mundo se tranca no mal.   

 ***

Alfredo LAGE. A Revolução da Arte Moderna, Rio de Janeiro, AGIR, 1969, p. 11.





A instrução religiosa das crianças: Deveres gravíssimos dos pais (D. Sebastião Leme - 1925)

A instrução religiosa das crianças

Deveres gravíssimos dos pais

CARTA CIRCULAR

 

QUE

O Sr. Arcebispo-Coadjutor D. Sebastião Leme mandou distribuir aos fiéis da Arquidiocese do Rio de Janeiro, durante a “Semana do Catecismo”, iniciada a 26 de julho de 1925.

I

A lei de Deus impõe aos pais a obrigação de educar e ensinar cristãmente os filhos

 

Entre os graves deveres dos pais, tutores e, em geral, todos os que têm, de algum modo, responsabilidade paterna, avulta a obrigação de educar cristãmente os filhos, os tutelados, as crianças que estão sob a sua guarda e proteção. Para verificarmos o quão graves são esses deveres, basta folhear os Livros Santos, em cujas páginas, inspiradas por Deus, temos a manifestação de sua Divina Vontade.

“Accipe puerum istum et nutri mihi. Toma esta criança e nutre-a para mim”. (Exod. II – 9).

Este é o preceito que Deus lhes impõe, com grave ônus para a consciência.

“Ponde minhas palavras em vosso coração e em vossa alma... ensinai-as a vossos filhos”. (Deut. XI – 18-19).

“Tens filhos? Instrui-os e procura sujeitá-los desde a puerícia”. (Ecle. VII – 25).

“Criai vossos filhos na doutrina e admoestação do Senhor”. (Efe. VI – 4).

“Os pais que, por negligência, perderem a alma de seus filhos, incorrerão na tremenda ameaça: de vossas mãos exigirei o seu sangue”. (Ezech. XXXIII, 8).

Diante de palavras tão austeras dos Livros de Deus, quem é que poderá duvidar da obrigação paterna em cuidar, com extremo zelo, da salvação espiritual dos filhos? Ora, a salvação eterna dos filhos depende da vida cristã que levarem, a qual, é certo, depende dos bons princípios religiosos recebidos na primeira infância.

Não se compreendem, pois, o desinteresse e a nenhuma preocupação dos pais em assunto de que depende a verdadeira felicidade dos filhos.

De que valerá que venham a ter filhos sábios, ricos ou poderosos, se faltarem a estes as luzes e as forças que levam até o céu?

E, no entanto, pais há que, sempre solícitos da saúde e do porvir terreno dos filhos, menosprezam e esquecem a sua única e verdadeira felicidade – a salvação da alma, pelo conhecimento e prática dos ensinamentos religiosos!

“O vosso cuidado, ó pais, escreve S. João Crisóstomo, não deve tender a fazer de vosso filho um sábio, mas sim a instruí-lo de modo a torná-lo perfeito cristão. Sois apóstolos de vossa família, e a vós compete governá-la e instruí-la”.

São de Bento XIV as seguintes expressões: “Os pais que não ensinam aos filhos os princípios da religião, expõem-se a condenar-se eternamente”.

Que os pais e mães meditem essas palavras do grande e sábio pontífice.

Tal ensinamento, comum nos mestres e doutores da fé católica, é simples eco da palavra divina contida naquilo de S. Paulo: “Se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente de sua família, negou a fé e é pior que o infiel” (S. Paulo, I, Tim. V – 8).

Com todo o fundamento, portanto, legisla o Código de Direito Canônico, órgão supremo das leis da Igreja: “Têm os pais estrita obrigação de procurar para seus filhos a instrução catequética”. (Can. 1335).

Não menos explícitas são as admoestações do nosso Episcopado, ao prefaciar o Catecismo Diocesano: “Com todas as veras exortamos aos pais de família, que infundam em seus filhos as verdades e máximas da religião católica, a observância de suas leis, a frequência de seus sacramentos e a prática das virtudes”. (Prefac. Ao III Catecismo C. f. r. Const. Provinciais, n. 1488 e sgts.)

Os filhos, como as riquezas, não são propriedades dos pais, são dons de Deus (Salmos 128, 3), são criaturas do Altíssimo, destinadas a uma sublime felicidade. São filhos do Pai Celeste, a quem invocam com o doce nome de pai. Os pais, rigorosamente falando, são apenas servos de Deus. Na educação dos filhos devem regular-se pela vontade divina.

O homem não é somente um corpo corruptível; é também uma alma racional, nobilíssima, criada à imagem da divindade. Como todas as criaturas, ele tem um fim supremo que outro não é senão Deus, a quem deve conhecer, amar e servir nesta vida, para depois gozá-Lo no céu.

Esse, o destino supremo da criatura humana, esse o seu fim último[1]; tudo mais é secundário, aos olhos de Deus e da fé. Daí a importância, a necessidade absoluta de se incutirem nas crianças, desde os primeiros albores da razão, os princípios e verdades da Religião de Nosso Senhor, que é o único verdadeiro caminho da felicidade eterna.

Daí a grave obrigação e responsabilidade dos pais, quanto à educação religiosa dos filhos, e neste assunto não pode haver a menor dúvida.

É patente o ensino da revelação, confirmado pelos princípios da razão natural.

 

II

Como podem e devem os pais cumprir a gravíssima obrigação da instrução religiosa dos filhos, desde a primeira infância

 

A primeira escola da criança é o lar doméstico. Seus primeiros mestres são os pais. Às mães, todavia, de um modo todo especial, incumbe o desempenho dessa grande e imperiosa missão.

É no regaço materno que o filho deve aprender a conhecer, de um modo geral, os seus principais deveres de criaturas de Deus.

Dois senhores disputam a posse dessa alma inocente: Deus que é o seu verdadeiro dono, e o demônio que pelo mal usurpa um domínio que lhe não compete.

Mostrar à criança de onde veio, o que é, para onde deve tender, eis o primeiro dever da educadora por excelência, que Deus colocou ao lado do berço da criança, como um anjo custódio visível.

De suma importância é essa primeira formação religiosa, visto como essas primeiras ideias ficarão eternamente gravadas na memória dos filhos.

“Os pais, escreve Cornélio a Lapide, devem ensinar seus filhos, na sua mais tenra infância, porque nessa idade, são tábuas lisas que retêm as palavras que nelas se escrevem, e as conservam até a velhice”.

Deve ser o primeiro cuidado dos pais ensinar os filhos a invocar a Deus, a Santíssima Virgem, com ele recitando o Padre Nosso, o Creio em Deus Padre, a Ave-Maria, a Salve Rainha e outras coisas rudimentares.

De causar lástima é que, por culpa ou negligência dos pais, homens haja que, nos momentos de tristeza e provação, fiquem privados das consolações indizíveis de um Padre Nosso ou de uma Ave-Maria, rezados com devoção.

Precisariam rezar essas preces tão benfazejas, deveriam rezá-las! Quereriam mesmo rezá-las, mas – infelizes! -, não tiveram um coração de mãe que as houvesse ensinado, quando crianças...

Enquanto é tempo, lembrem-se os pais e, principalmente, as mães que, ensinando os filhinhos a rezar, a eles e a si próprios pouparão não pequenas desventuras.

À proporção que vão crescendo, quando mais claramente entendem as coisas que se lhes ensinam, é necessário pensar na sua confissão e primeira comunhão.

Esse grande ato da vida religiosa da criança deve ser feito o mais cedo possível, antes que naquela alma venha cair a semente do mal.

A primeira comunhão é um ato de posse de Deus, verdadeiro senhor daquele coraçãozinho; é também um poderoso preservativo contra o pecado.

A instrução preparatória para a primeira comunhão deve ser metódica, mas nem por isso devem deixar os pais de empreendê-la, até mesmo antes do tempo oportuno de se matricularem em algum curso ou aula de catecismo.

Além das verdades gerais: a criação divina, a dependência da criatura, o fim do homem etc., deve a criança conhecer, de um modo geral, ao menos os dois sacramentos: o da confissão e o da comunhão.

Se aos pais lhes falece competência ou não têm lazeres[2] para essa instrução, devem encarregar outra pessoa de confiança. Isso, porém, não dispensa que inscrevam os filhos em cursos religiosos de alguma escola católica ou procurem enviá-los à igreja paroquial ou à igreja mais próxima[3].

O ensino religioso do sacerdote e da escola não dispensa, por sua vez, a afetuosa cooperação dos pais. Assim, muito concorre a mãe, com seus conselhos, para que a primeira comunhão seja feita não só com intensas aspirações das crianças, como ainda com todo o respeito e piedade. E, em geral, é papel dos pais corroborar, com suas palavras e exemplos, os ensinamentos que os filhos recebem de seus catequistas.

Baldados serão os esforços dos educadores, se os pais desedificam os filhos pelas palavras e pelos maus exemplos.

Se querem ter filhos piedosos, deem-lhes o exemplo de piedade.

Reflitam seriamente em que não é bastante matricular os filhos na aula de catecismo.

É dever dos pais empenharem-se para que as crianças sejam assíduas e perseverem, mesmo depois de feita a primeira comunhão.

Uma instrução religiosa interrompida, ministrada a trechos, nunca será uma instrução sólida qual deve ter todo cristão.

 

III

Não deve a instrução religiosa dos filhos terminar com a primeira infância

 

A primeira comunhão não pode, não deve ser um ponto final na aprendizagem cristã.

O católico pode e deve instruir-se na religião até a morte.

Depois de termos aprendido muito, ainda nos resta muito que aprender. Como classificar, portanto, a incúria dos pais que, uma vez passadas as festas da primeira comunhão dos filhinhos, inteiramente se despreocupam de sua formação religiosa, dispensando-os da frequência do catecismo?

A instrução religiosa foi sempre necessária e o é, muito mais, nos tempos que atravessamos.

A impiedade não dorme.

Os adversários de Deus e da alma estão sempre vigilantes.

Lemos em jornais, revistas, em folhetos avulsos, um sem número de objeções contra a Igreja, acusações contra o clero, que desconcertam, por vezes, certos católicos de quem se esperava melhor preparo em matéria religiosa.

A resposta a essas cavilações, encontra-se, não raro, nas páginas de um compêndio de religião, mas a instrução superficial até lá não chegou.

Aprenderam o catecismo, tanto quanto fora julgado indispensável para a primeira comunhão, e nada mais!

Se crescidos nos anos, ao despertar das paixões, ao contato com a mentira e a maldade de más companhias, os vossos filhos pronto se deixam vencer pelas facilidades da descrença, ou da impiedade, de quem é a culpa, senão dos pais que lhe não proporcionaram formação religiosa a mais profunda e sólida possível?

Cumpre, portanto, aos pais, empenhar-se na formação espiritual dos seus filhos, envidando todos os esforços para que continuem a assistir as instruções religiosas, envidando todos os esforços para que continuem a assistir as instruções religiosas na paróquia, ou em outras igrejas ou em escolas e colégios católicos.

Quanto a colégios, fique bem acentuado ser gravíssimo dever dos pais que prefiram sempre os colégios religiosos e, na falta desses ou em caso de impossibilidade, prefiram os colégios em que o ensino da religião é ministrado por sacerdotes.

Mostra-nos a triste experiência que não raro em jovens, bem educados religiosamente, esmoreça a fé, devido às facilidades de costumes, autorizadas pela irreligião, mas que pela fé são inexoravelmente estigmatizadas. 

Se tais defecções se dão com alguns que tiveram boa educação religiosa, que é que haveremos de esperar dos que nada ou pouco dela receberam?

Segue-se que os pais solícitos e conscienciosos devem, não só procurar maior desenvolvimento de cultura religiosa dos filhos, mesmo depois de adolescentes e moços, como ainda tomar todas as providências e precauções para defendê-los das seduções e leviandades perigosas do ambiente moral em que possam viver durante os anos da mocidade.

 

IV

Os conselhos que os bispos brasileiros dão aos pais

 

Praz-nos reproduzir aqui as palavras dos Prelados Brasileiros, que tanto se interessam pela educação religiosa da juventude.

“Uma boa educação é o mais precioso de todos os tesouros que os pais podem deixar a seus filhos. Por meio dela, ganharão, os filhos, todos os outros bens; as riquezas e as virtudes, levarão uma vida honesta e feliz nesta terra, salvarão a alma, alcançarão a vida eterna. Aqueles que, descuidando da educação católica dos filhos só pensam em trabalhar para enriquecê-los e guindá-los a maiores honras e grandezas terrenas, fornecem-lhes armas perigosas para sua desgraça e perdição.

A lei natural e a divina exigem que os pais eduquem os filhos com esmero, e não há motivo algum que os possa eximir desse dever. (C. P. S. A. n. 735).

A razão, a fé e a experiência ensinam que só na Igreja de Jesus Cristo, encontram os fiéis as regras seguras para a boa educação dos filhos. Na fé e na moral católica, devem, pois, os pais basear essa educação.

Como, porém, o ensino pouco ou nada aproveita sem o exemplo, é necessário que este confirme aquele. Sejam, portanto, os pais suficientemente instruídos, para que o ensino que derem seja eficaz. Não confiem seus filhos senão a mestres profundamente católicos. Rejeitem os sistemas de educação sem Deus ou contra Deus, as escolas sem disciplina séria, e mais ainda os que pecam por falta de moralidade.

Peçam a Deus os auxílios necessários, para bem desempenharem o grave dever da educação dos filhos.

Empenhem-se em ministrar às crianças, desde a mais tenra infância, os conhecimentos das coisas celestes, e em lhes infundir nos corações inocentes ódio profundo aos vícios e ardente amor a todas as virtudes.

Logo que seus filhos atingirem o uso da razão, redobrem de vigilância, procurem habituá-los, suavemente, a guardarem os preceitos da Igreja, e velem para que nada vejam, nem aprendam que possa fazer perigar a sua fé e pureza de costumes.

Façam todos os esforços para que, com a idade, vá neles crescendo a piedade para com Deus, e a frequência dos Santos Sacramentos”. (Const. Prov. N. 1189 e seg.).

Cumpram os pais e tutores este sacratíssimo dever, na certeza de cumprirem uma nobre missão, altamente patriótica e sumamente meritória para a vida eterna.

 

Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, 19 de julho de 1925.

 

 

De ordem de S. Exa. Revma. O Sr. Arcebispo-Coadjutor

 

Cônego Francisco Freire

Servindo de Secretário




[1] Sua suprema finalidade.

[2] Refere-se aqui ao tempo necessário para realizar a instrução religiosa.

[3]Nota: para nossa tristeza, atualmente o ensino religioso ministrado nos colégios católicos e a catequese de nossas paróquias constituem grave risco à fé dos infantes. Por essa razão, a eles se aplicam a ressalva feita pelo Cardeal logo na sequência: “Não confiem seus filhos senão a mestres profundamente católicos. Rejeitem os sistemas de educação sem Deus ou contra Deus, as escolas sem disciplina séria, e mais ainda os que pecam por falta de moralidade”.


Os Apóstolos das Coisas (Canto dos Lavradores) - (NUNO DE MONTEMÓR)

(Ao Pequito Rebelo)

 

NÓS somos os Apóstolos das Coisas, e quando lhe pregamos o amor,

Elas entendem-nos, porque florescem.

O ar bom que se respira somos nós que o criamos,

Porque temos o poder de mudar os climas.

E as nuvens do céu obedecem-nos, como ovelhas mansas, nos prados.

 

Nós chamamos ao bom caminho, desviando-os do leito inútil,

Os rios maus e transviados, dirigindo-os no dever de regar os campos.

Nós damos de beber a cada folha um trago de luz, a cada raiz uma sede de água,

 

E choramos sobre as nossas culpas, se o verão é seco e o outono gelado...

 

Nós temperamos os gelos das madrugadas nos suores das nossas frontes.

 E cada arvore que plantamos é um ramo erguido a Deus,

Que, em paga das flores, nos dá os frutos.

 

E porque assim somos, tudo nos louva e engrandece.

Os passarinhos voam, em cruz, a abençoar-nos a sementeira,

As suas vozes apenas dizem: “lavrai, regai, criai...”.

E quando alegremente poisam na terra e nos ramos,

E a relha do arado faísca ao sol, alumiando o rego,

Debruçam-se, enternecidos, a ver as delicias que lhe semeamos.

 

Depois, quando as Coisas do campo nascem e crescem

Sorrimos-lhes, contentes, como a filhos no berço.

E se uma seara adoece, sobre as espigas mortas, por terra,

Vertemos lagrimas, a sofrer, como numa sepultura.

E para salvarmos as plantas da trovoada,

Quantas vezes damos a vida por elas!...

 

E o nosso bendito amor pela terra nunca descança,

“Porque as leiras virgens, sem fruto, são terras de perdição,

Onde a luz do céu morre sempre de tristeza,

 

Como a santa graça de Deus, no coração do ímpio.

E, por isso, deixamos ao filhos este preceito:

“Cavai a terra, fecundai-a, porque Deus andará triste. Enquanto na terra houver uma leira sem fruto.

 

E somos nós, que, a semear, embelezamos e salvamos a Vida!...

 

Venham até nós os sábios e as escolas, os filósofos e os artistas,

Porque somos pobrezinhos e sustentamos o mundo,

Não conhecemos as Letras e temos a Ciência da Vida,

Não aprendemos a Arte e somos os pintores da Terra!

 

As nossas mãos são duras e feias, mas são elas que trabalham a luz do sol,

Donde tecem a seda das rosas e o oiro das espigas.

São toscas as nossas falas, mas é entre nós que os passarinhos gostam de cantar,

É bravio o nosso gênio e mudamos o toiro bravo em cordeiro.

É rude o nosso convívio e Deus anda a toda a hora conosco.

 

Os nossos pés são pesados de abrirem as veredas

Que levam a semente onde as estradas não chegam;

E estas veredas brancas dos campos, cintilando ao sol,

São os caminhos dos Apóstolos da Natureza.

 

E estes Apóstolos, a quem Deus sorri, somos nós,

Que logo de pequeninos, mal erguendo a enxada,

Recebemos a graça e o poder de criar as Coisas.

E pela vida fora, ao começar os trabalhos de cada dia,

Traçamos, da fronte ao peito, a cruz de uma oração.

 

Para que todas as Coisas nasçam e se criem,

Em nome do Padre, do filho e do Espirito Santo.

 

E porque assim somos, gloriosos e simples,

Bendito seja Deus que nos fez lavradores,

Porque muito nos quere.

_____________________

 NUNO DE MONTEMÓR, do livro Amor de Deus e da Terraextraído da revista Ordem Nova, Ano 1, Volume 1, LISBOA 1926, pp. 23-25.



Sermão do domingo de Ramos - Dom Tomás de Aquino OSB, 2020.


terça-feira, 21 de julho de 2020

Excerto da CARTA PASTORAL (1891) do Bispo de Olinda, D. JOÃO ESBERARD (1843-1897), aos seus diocesanos.


Veneráveis irmãos e filhos muito amados

XXXVI
Deve um Bispo cercar de especial solicitude a mocidade, na qual assentam as viçosas esperanças do futuro.
A ela a nossa derradeira saudação, uma das mais afetuosas que pudermos extrair da nossa alma.
Moços, que sentis a vida a referver nas vossas veias entumecidas, curvai-vos ao jugo salutar da disciplina católica. Subjugai as vossas paixões para que vos não arrastem a atos de indignidade. Conservai puros os afetos do vosso coração e a vossa mente não conhecerá os tristonhos e funestos nevoeiros do erro. O vício impuro, rebaixando o espírito, obscurece o lume da razão natural e, na frase enérgica de S. Paulo, a tal ponto animaliza o homem, que o torna impotente para elevar-se à sublime compreensão das coisas de Deus: Animalis homo non percipit ea quae sunt Spiritus Dei[1] (1. Cor., c. II,, v. 14).
Vós especialmente, ó moços que seguis a nobre carreira das letras, sede castos. Esta luminosa virtude emancipa o espírito humano da humilhante escravidão de uma carne revoltada, e, segundo observação de Santo Tomás de Aquino – a águia mais altaneira da ciência -, o prepara e dispõe à perfeição das operações intelectuais.
Amais apaixonadamente a ciência? Fazeis bem. Mas porque não estudareis com igual afinco os sólidos fundamentos e os elevados princípios da nossa fé? Conflitos entre a religião e a ciência, não somos nós que os tememos.
Sabeis o que nos amedronta? Amedronta-nos, e muito, a insolência quer da ignorância em matéria de religião, quer da fatuidade do meio-saber. Estas são as chagas mais temerosas da época, e que aí estão a corroer a briosa mocidade das nossas escolas superiores.
Quanto a vós, estudantes católicos, hauri a largos haustos a ciência da fé em fontes puras e cristalinas. Sois as esperanças da religião e da pátria. Formai em vós almas viris, que não saibam recuar diante do dever; caracteres firmes, que se não abastardem à miragem de sedutores interesses; corações generosos que se ufanem de pulsar ao movimento de tudo quanto é grande e enobrecedor; vontades inquebrantáveis, que esposem todas as causas santas e as tomem debaixo da sua valente guarda.
            Mocidade católica, vinde ao vosso Bispo, e ele vos ensinará o temor de Deus, que é o glorioso princípio de toda a sabedoria: Initium sapientiae timor Domini[2] (Salmos, CX, v. 10).
__

Vós também, meninas, que ainda conservais a inocência do vosso batismo e que na calma da vossa natureza infantil ainda não sentis os assaltos das paixões, vindo ao vosso Bispo, Ele vos abençoará para firmar-vos no bem.
Vinde, filhinhos da nossa alma, vinde, que vos daremos o pão da divina palavra, mas bem partido em pequeninos, como reclama as necessidades de vossos tenros anos. É ainda forte demais este pão? Não receeis, vinde sempre, que a vossa almazinha faminta não ficará frustrada em suas aspirações. O Bispo também é mãe. Ele tem o leite substancial da doutrina. Vinde, que o instalaremos em vossa almazinha. Teremos depois o direito de dizer-vos com S. Paulo: “Estais vendo, pequeninos de Cristo, com que amor vos demos a beber o leite delicado de uma instrução apropriada, e não esse alimento sólido que só convém a inteligências mais desenvolvidas? Tanquam parvulis in Christo, lac vobis potum dedi, non escam; nondum enim poteratis[3] (I Cor., c. III, vs. 1 e 2).
Representante daquele Jesus que costumava apresentar-vos como o tipo dos candidatos ao céu (Mat., c. XVIII, v. 3)[4], erguemos daqui a voz para profligar o criminoso procedimento dos que, pretendendo impedir-vos de irdes ao vosso divino amigo, encerram-vos nos acanhados programas de um ensino leigo, como em linguagem bárbara lhe chamam eles, onde estais condenados a não ouvir uma só palavra de Deus, do bom Jesus, da Santa Madre Igreja, dos vossos deveres cristãos, dos eternos destinos da vossa alma!...


XXXVII
Veneráveis Irmãos e filhos muito amados – que a todos os nossos diocesanos em geral tornamos a dirigir agora a nossa palavra -, lançando os olhos contristados em derredor de nós e contemplando essa propaganda tenaz que multiplica as suas formas para destruir a religião católica, sentimo-nos inclinado a temer para o nosso caro Brasil o grande mal, a desgraça ingente que o atribulado Papa Leão XIII teme pela sua desditosa Itália. Parece incrível, e entretanto é uma verdade que já se não pode mais ocultar: somos chegados a este ponto, que no Brasil, como na Itália, muito há que temer a perda total da fé (Encíclica de 15 de outubro de 1890).
No meio dessa aluvião de erros, cada qual mais perverso, que alaga a sociedade brasileira, que há de ser das vossas almas, se vos não mantiverdes firmes na arca santa das crenças católicas? Temeroso pelas contas que perante o Pastor supremo havemos de dar de cada um de vós, sentimos a necessidade de dirigir ao Senhor esta divina prece, que saiu mais do coração que dos lábios de Jesus: Pater sancte, serva eos in nomine tuo, quos dedisti mihi[5] (João, c. XVII, v. 11).
Oh! Praza ao céu, veneráveis irmãos e filhos muito amados, que tenhamos a dita de vos ver crescer continuamente em Cristo, nosso chefe, em toda sorte de boas obras: crescamus in illo per omnia qui est caput Christus[6] (Efe., c. IV, v. 15). Este é o caminho do verdadeiro progresso, caminho todo iluminado por onde deve andar o cristão que aspira à luz, que aspira ao bem, que aspira ao céu. Contemplando os vossos contínuos progressos por esse caminho da eterna salvação, a nossa alma reconhecida magnificará ao Senhor, e, na retribuição do futuro juízo, quando houvermos de comparecer perante o justo juiz do nosso episcopado, ali sereis, pelas vossas boas obras, a nossa alegria e a nossa coroa. Oxalá tenhamos então a inefável consolação de lhe podermos dizer: “Vê, Senhor: Conservei os que me deste, e, graças a Ti, nenhum deles se perdeu: Quos dedisti mihi custodivi, et nemo ex his perivit[7] (João, c. XVII, v. 12).
“E o Deus da paz que, pelo sangue do eterno testamento, ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo Senhor nosso, grande pastor de ovelhas, vos torne idôneos em todo o bem para que façais a sua vontade, operando ele mesmo em vós o que lhe seja agradável por Jesus Cristo, ao qual é dada glória pelos séculos dos séculos. Amém”. (Heb., c. XIII, vs. 20 e 21).
Veneráveis irmãos e filhos muito amados, cheio de confiança vos deixamos sob a guarda do coração imaculado de Maria Santíssima, a quem desde a mais tenra infância amamos com afeto filial e a quem ora tomamos para nossa especialíssima protetora e guia durante os dias do episcopado, pedindo-lhe com repetidas instâncias se digne de preparar-nos sempre um caminho livre de perigos, um caminho seguro, por onde vos possamos conduzir à eterna bem-aventurança: Iter para tutum[8]. (Breviário Romano, hino Ave, maris stella).
E a benção de Deus onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, desça sobre todos vós e convosco permaneça para sempre: Benedictio Dei omnnipotentis, Patris, et Filii, et Spiritus Sancti, descendat super vos et maneat semper!
Dada e passada nesta cidade do Rio de Janeiro, sob o nosso sinal e selo das nossas armas, aos 15 de outubro de 1891, festa da seráfica Reformadora do Carmelo, a gloriosa Santa Teresa de Jesus.
† JOÃO, Bispo de Olinda.




[1] O homem animal não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus.
[2] O temor do Senhor é o princípio da sabedoria.
[3] Como a pequeninos em Cristo, nutri-vos com leite, (e) não com alimento sólido; porque não podeis (digeri-lo).
[4] E disse: Na verdade vos digo que, se vos não converterdes e vos não tornardes como meninos, não entrareis no reino dos céus.
[5] Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste.
[6] Cresçamos em todas as coisas naquele que é a cabeça, o Cristo.
[7] Conservei os que me deste; e nenhum deles se perdeu...
[8] Põe-nos em via segura.



Nasceu em Barcelona, Espanha, em 10 de outubro de 1843, e faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de janeiro em 1897. Oriundo de família francesa, veio muito jovem para o Brasil, passando a residir em Campos (RJ), onde fez seus estudos básicos. Em 1864, matriculou-se no Seminário Episcopal de S. José. Em agosto de 1864 recebeu as ordens sacerdotais. Os estudos de Filosofia foram completados no Colégio de S. Luís, Itu (SP). No Seminário, lecionou e foi, ao mesmo tempo, o capelão das freiras de Santa Teresa do Rio de Janeiro. Por ocasião da Questão Religiosa, colocou-se inteiramente a favor do Syllabus, ao lado da Cúria Romana. Viajou a Roma, tendo sido nomeado, pelo Papa, monsenhor do Solio Pontifício. Bispo titular de Guerra (1890). Bispo de Olinda desde 1892. No ano seguinte, com a elevação do Bispado da Capital Federal para Arcebispado, assumiu a mais alta direção eclesiástica do Rio de Janeiro. Colaborou em O Apóstolo, Nova Era e Brasil, órgão constitucional. Em 1891, foi eleito sócio correspondente do IHGB. Passou a honorário em 1895.
Publicou:
- As Delícias da Piedade: tratado sobre o culto da Santíssima Virgem, seguido de conferência sobre o culto dos Santos pelo padre Ventura de Raulica (tradução do francês), RJ: Tip. de O Apóstolo, 1867;
A Igreja Católica e o Sr. Bispo Diocesano e o Maçonismo, RJ, 1872.
Questão “Ite, missa est’, RJ, 1884.
 Criação de uma Faculdade de Ciências Religiosas: sua organização e plano de estudo, RJ, 1884.
A obra da Santa Infância no Brasil: relatórios ... (1886/87), RJ, 1887.
A Rosa de Ouro, RJ, 1888.
Da Igreja e de Sua Divina Missão: carta pastoral, RJ, 1891.
Do Chefe da Igreja e sua ação social: carta pastoral, Recife, 1894.