A instrução religiosa
das crianças
Deveres gravíssimos
dos pais
CARTA CIRCULAR
QUE
O Sr.
Arcebispo-Coadjutor D. Sebastião Leme mandou distribuir aos fiéis da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, durante a “Semana do Catecismo”, iniciada a 26
de julho de 1925.
I
A lei de Deus impõe aos pais a obrigação de educar e ensinar
cristãmente os filhos
Entre os graves deveres dos pais, tutores e, em geral,
todos os que têm, de algum modo, responsabilidade paterna, avulta a obrigação
de educar cristãmente os filhos, os tutelados, as crianças que estão sob a sua
guarda e proteção. Para verificarmos o quão graves são esses deveres, basta
folhear os Livros Santos, em cujas páginas, inspiradas por Deus, temos a
manifestação de sua Divina Vontade.
“Accipe puerum istum et
nutri mihi. Toma esta criança e nutre-a para mim”. (Exod. II – 9).
Este é o preceito que Deus lhes impõe, com grave ônus
para a consciência.
“Ponde minhas palavras
em vosso coração e em vossa alma... ensinai-as a vossos filhos”. (Deut. XI – 18-19).
“Tens filhos? Instrui-os
e procura sujeitá-los desde a puerícia”. (Ecle. VII
– 25).
“Criai vossos filhos na
doutrina e admoestação do Senhor”. (Efe. VI –
4).
“Os pais que, por
negligência, perderem a alma de seus filhos, incorrerão na tremenda ameaça: de
vossas mãos exigirei o seu sangue”. (Ezech.
XXXIII, 8).
Diante de palavras tão austeras dos Livros de Deus, quem
é que poderá duvidar da obrigação paterna em cuidar, com extremo zelo, da
salvação espiritual dos filhos? Ora, a salvação eterna dos filhos depende da
vida cristã que levarem, a qual, é certo, depende dos bons princípios
religiosos recebidos na primeira infância.
Não se compreendem, pois, o desinteresse e a nenhuma
preocupação dos pais em assunto de que depende a verdadeira felicidade dos
filhos.
De que valerá que venham a ter filhos sábios, ricos ou
poderosos, se faltarem a estes as luzes e as forças que levam até o céu?
E, no entanto, pais há que, sempre solícitos da saúde e
do porvir terreno dos filhos, menosprezam e esquecem a sua única e verdadeira
felicidade – a salvação da alma, pelo
conhecimento e prática dos ensinamentos religiosos!
“O vosso cuidado, ó pais, escreve
S. João Crisóstomo, não deve tender a fazer de vosso filho um sábio, mas sim a instruí-lo
de modo a torná-lo perfeito cristão. Sois apóstolos de vossa família, e a vós
compete governá-la e instruí-la”.
São de Bento XIV as
seguintes expressões: “Os pais que não ensinam aos filhos os
princípios da religião, expõem-se a condenar-se eternamente”.
Que os pais e mães
meditem essas palavras do grande e sábio pontífice.
Tal ensinamento,
comum nos mestres e doutores da fé católica, é simples eco da palavra divina
contida naquilo de S. Paulo: “Se alguém
não tem cuidado dos seus, e principalmente de sua família, negou a fé e é pior
que o infiel” (S. Paulo, I, Tim. V – 8).
Com todo o fundamento,
portanto, legisla o Código de
Direito Canônico, órgão supremo das leis da Igreja: “Têm os pais estrita obrigação de
procurar para seus filhos a instrução catequética”. (Can. 1335).
Não menos explícitas são as admoestações
do nosso Episcopado, ao prefaciar o Catecismo Diocesano: “Com
todas as veras exortamos aos pais de família, que infundam em seus filhos as
verdades e máximas da religião católica, a observância de suas leis, a
frequência de seus sacramentos e a prática das virtudes”. (Prefac. Ao
III Catecismo C. f. r. Const. Provinciais, n. 1488 e sgts.)
Os filhos, como as riquezas, não são propriedades dos
pais, são dons de Deus (Salmos 128, 3), são criaturas do Altíssimo, destinadas
a uma sublime felicidade. São filhos do Pai Celeste, a quem invocam com o doce
nome de pai. Os pais, rigorosamente falando, são apenas servos de Deus. Na
educação dos filhos devem regular-se pela vontade divina.
O homem não é somente um corpo corruptível; é também uma
alma racional, nobilíssima, criada à imagem da divindade. Como todas as
criaturas, ele tem um fim supremo que outro não é senão Deus, a quem deve
conhecer, amar e servir nesta vida, para depois gozá-Lo no céu.
Esse, o destino
supremo da criatura humana, esse o seu fim último; tudo mais é secundário,
aos olhos de Deus e da fé. Daí a importância, a necessidade absoluta de se
incutirem nas crianças, desde os primeiros albores da razão, os princípios e
verdades da Religião de Nosso Senhor, que é o único verdadeiro caminho da
felicidade eterna.
Daí a grave obrigação
e responsabilidade dos pais, quanto à educação religiosa dos filhos, e neste
assunto não pode haver a menor dúvida.
É patente o ensino da
revelação, confirmado pelos princípios da razão natural.
II
Como podem e devem os
pais cumprir a gravíssima obrigação da instrução religiosa dos filhos, desde a
primeira infância
A primeira escola da
criança é o lar doméstico. Seus primeiros mestres são os pais. Às mães,
todavia, de um modo todo especial, incumbe o desempenho dessa grande e
imperiosa missão.
É no regaço materno
que o filho deve aprender a conhecer, de um modo geral, os seus principais
deveres de criaturas de Deus.
Dois senhores
disputam a posse dessa alma inocente: Deus que é o seu verdadeiro dono, e o
demônio que pelo mal
usurpa um domínio que lhe não compete.
Mostrar à criança de onde veio, o que é, para onde deve tender,
eis o primeiro dever da educadora por excelência, que Deus colocou ao lado do
berço da criança, como um anjo custódio visível.
De suma importância é
essa primeira formação religiosa, visto como essas primeiras ideias ficarão eternamente gravadas na memória dos
filhos.
“Os pais, escreve Cornélio a Lapide, devem ensinar seus filhos, na sua mais tenra
infância, porque nessa idade,
são tábuas lisas que retêm as palavras que nelas se escrevem, e as
conservam até a velhice”.
Deve ser o primeiro
cuidado dos pais ensinar os
filhos a invocar a Deus, a Santíssima Virgem, com ele recitando o Padre
Nosso, o Creio em Deus Padre, a Ave-Maria, a Salve Rainha e outras coisas
rudimentares.
De causar lástima é
que, por culpa ou negligência
dos pais, homens haja que, nos momentos de tristeza e provação, fiquem privados
das consolações indizíveis de um Padre Nosso ou de uma Ave-Maria, rezados com
devoção.
Precisariam rezar
essas preces tão benfazejas, deveriam rezá-las! Quereriam mesmo rezá-las, mas –
infelizes! -, não tiveram um coração de mãe que as houvesse ensinado, quando
crianças...
Enquanto é tempo,
lembrem-se os pais e, principalmente, as mães que, ensinando os filhinhos a
rezar, a eles e a si próprios pouparão não pequenas desventuras.
À proporção que vão
crescendo, quando mais claramente entendem as coisas que se lhes ensinam, é
necessário pensar na sua confissão e
primeira comunhão.
Esse grande ato da
vida religiosa da criança deve ser feito o mais cedo possível, antes que
naquela alma venha cair a semente do mal.
A primeira comunhão é
um ato de posse de Deus, verdadeiro senhor daquele coraçãozinho; é também um
poderoso preservativo contra o pecado.
A instrução
preparatória para a primeira comunhão deve ser metódica, mas nem por isso devem
deixar os pais de empreendê-la, até mesmo antes do tempo oportuno de se
matricularem em algum curso ou aula de catecismo.
Além das verdades
gerais: a criação divina, a dependência da criatura, o fim do homem etc., deve
a criança conhecer, de um modo geral, ao menos os dois sacramentos: o da
confissão e o da comunhão.
Se aos pais lhes
falece competência ou não têm lazeres para essa
instrução, devem encarregar outra pessoa de confiança. Isso, porém, não
dispensa que inscrevam os filhos em cursos religiosos de alguma escola católica
ou procurem enviá-los à igreja paroquial ou à igreja mais próxima.
O ensino religioso do
sacerdote e da escola não dispensa, por sua vez, a afetuosa cooperação dos
pais. Assim, muito concorre a mãe, com seus conselhos, para que a primeira
comunhão seja feita não só com intensas aspirações das crianças, como ainda com
todo o respeito e piedade. E, em geral, é papel dos pais corroborar, com suas palavras
e exemplos, os ensinamentos que os filhos recebem de seus catequistas.
Baldados serão os
esforços dos educadores, se os pais desedificam os filhos pelas palavras e
pelos maus exemplos.
Se querem ter filhos
piedosos, deem-lhes o exemplo de piedade.
Reflitam seriamente
em que não é bastante matricular os filhos na aula de catecismo.
É dever dos pais
empenharem-se para que as crianças sejam assíduas e perseverem, mesmo depois de
feita a primeira comunhão.
Uma instrução
religiosa interrompida, ministrada a trechos, nunca será uma instrução sólida
qual deve ter todo cristão.
III
Não deve a instrução
religiosa dos filhos terminar com a primeira infância
A primeira comunhão
não pode, não deve ser um ponto final na aprendizagem cristã.
O católico pode e deve
instruir-se na religião até a morte.
Depois de termos
aprendido muito, ainda nos resta muito que aprender. Como classificar,
portanto, a incúria dos pais que, uma vez passadas as festas da primeira
comunhão dos filhinhos, inteiramente se despreocupam de sua formação religiosa,
dispensando-os da frequência do catecismo?
A instrução religiosa
foi sempre necessária e o é, muito mais, nos tempos que atravessamos.
A impiedade não
dorme.
Os adversários de
Deus e da alma estão sempre vigilantes.
Lemos em jornais,
revistas, em folhetos avulsos, um sem número de objeções contra a Igreja,
acusações contra o clero, que desconcertam, por vezes, certos católicos de quem
se esperava melhor preparo em matéria religiosa.
A resposta a essas
cavilações, encontra-se, não raro, nas páginas de um compêndio de religião, mas
a instrução superficial até lá não chegou.
Aprenderam o
catecismo, tanto quanto fora julgado indispensável para a primeira comunhão, e
nada mais!
Se crescidos nos
anos, ao despertar das paixões, ao contato com a mentira e a maldade de más
companhias, os vossos filhos pronto se deixam vencer pelas facilidades da
descrença, ou da impiedade, de quem é a culpa, senão dos pais que lhe não
proporcionaram formação religiosa a mais profunda e sólida possível?
Cumpre, portanto, aos
pais, empenhar-se na formação espiritual dos seus filhos, envidando todos os
esforços para que continuem a assistir as instruções religiosas, envidando
todos os esforços para que continuem a assistir as instruções religiosas na
paróquia, ou em outras igrejas ou em escolas e colégios católicos.
Quanto a colégios,
fique bem acentuado ser gravíssimo dever dos pais que prefiram sempre os
colégios religiosos e, na falta desses ou em caso de impossibilidade, prefiram
os colégios em que o ensino da religião é ministrado por sacerdotes.
Mostra-nos a triste
experiência que não raro em jovens, bem educados religiosamente, esmoreça a fé,
devido às facilidades de costumes,
autorizadas pela irreligião, mas que pela fé são inexoravelmente estigmatizadas.
Se tais defecções se
dão com alguns que tiveram boa educação religiosa, que é que haveremos de
esperar dos que nada ou pouco dela receberam?
Segue-se que os pais
solícitos e conscienciosos devem, não só procurar maior desenvolvimento de
cultura religiosa dos filhos, mesmo depois de adolescentes e moços, como ainda
tomar todas as providências e precauções para defendê-los das seduções e
leviandades perigosas do ambiente moral em que possam viver durante os anos da
mocidade.
IV
Os conselhos que os bispos brasileiros dão aos pais
Praz-nos reproduzir
aqui as palavras dos Prelados Brasileiros, que tanto se interessam pela
educação religiosa da juventude.
“Uma boa educação é o mais precioso de todos os tesouros
que os pais podem deixar a seus filhos. Por meio dela, ganharão, os filhos,
todos os outros bens; as riquezas e as virtudes, levarão uma vida honesta e
feliz nesta terra, salvarão a alma, alcançarão a vida eterna. Aqueles que, descuidando da educação
católica dos filhos só pensam em trabalhar para enriquecê-los e guindá-los a
maiores honras e grandezas terrenas, fornecem-lhes armas perigosas para sua
desgraça e perdição.
A lei natural e a divina exigem que os pais eduquem os
filhos com esmero, e não há motivo algum que os possa eximir desse dever. (C.
P. S. A. n. 735).
A razão, a fé e a experiência ensinam que só na Igreja de Jesus Cristo, encontram os
fiéis as regras seguras para a boa educação dos filhos. Na fé e na moral
católica, devem, pois, os pais basear essa educação.
Como, porém, o ensino pouco ou nada aproveita sem o
exemplo, é necessário que este confirme aquele. Sejam, portanto, os pais
suficientemente instruídos, para que o ensino que derem seja eficaz. Não confiem seus filhos senão a mestres
profundamente católicos. Rejeitem os sistemas de educação sem Deus ou contra
Deus, as escolas sem disciplina séria, e mais ainda os que pecam por falta de
moralidade.
Peçam a Deus os auxílios necessários, para bem
desempenharem o grave dever da educação dos filhos.
Empenhem-se em ministrar às crianças, desde a mais tenra
infância, os conhecimentos das coisas celestes, e em lhes infundir nos corações
inocentes ódio profundo aos vícios e ardente amor a todas as virtudes.
Logo que seus filhos atingirem o uso da razão, redobrem
de vigilância, procurem habituá-los, suavemente, a guardarem os preceitos da
Igreja, e velem para que nada vejam, nem aprendam que possa fazer perigar a sua
fé e pureza de costumes.
Façam todos os esforços para que, com a idade, vá neles
crescendo a piedade para com Deus, e a frequência dos Santos Sacramentos”. (Const. Prov. N.
1189 e seg.).
Cumpram os pais e
tutores este sacratíssimo dever, na certeza de cumprirem uma nobre missão,
altamente patriótica e sumamente meritória para a vida eterna.
Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, 19 de julho de
1925.
De ordem de S. Exa.
Revma. O Sr. Arcebispo-Coadjutor
Cônego Francisco
Freire
Servindo de Secretário