Santo caminho da cruz – Livro III – Capítulo VI –
Penas causadas pelo demônio.
Houve Santos que
foram possessos dias antes de sua morte.
Se este estado é um
dos mais humilhantes e penosos, é também um dos mais próprios para chegar à
alta santidade. Se as pessoas que o sofrem expiam suas culpas, devem ter nisso
consolação, e esperança de salvação: Deus que as castiga por meio dos demônios
nesta vida, as livrará misericordiosamente de sua tirania no outro.
Oh! Que graça! Que
misericórdia, que consolação, ver penas eternas e infinitas mudadas em
sofrimentos que acabarão tão depressa, que elas considerem a Deus em seus tormentos,
estando certas que o demônio nada pode fazer sem sua permissão, o que é fácil
de observar na Escritura, que nos ensina que o demônio não pode tentar Jó, sem
especial permissão de Deus: sendo assim, repito, que consolação!
Acreditemos que o Pai
das misericórdias não permite que sejamos aflitos assim, senão para nosso maior
bem. Mas nós não o conhecemos, parece-nos o contrário; basta que assim seja aos
olhos de Deus, e isto nos deve contentar completamente. É preciso ter muita
paciência, não disputar com nossos pensamentos, mas não fazer caso deles,
fazendo emudecer o próprio entendimento, de forma que o demônio não saiba o que
se passa no nosso interior, recolhendo-nos no centro da alma: que fruto se há
de tirar deste trabalho, se se fizer bom uso dele!
Enfim, é preciso ter
muita fortaleza. Não digo que convém senti-la, pois na parte sensível da alma
encontra-se abatimento e desesperação. Santa Teresa refere que quando pensava
que os demônios eram escravos do Senhor que servia, ela dizia: por que não
terei animo de combater todo o inferno? Assegurava que não temia estas
palavras, demônio, demônio, quando se pode dizer Deus, Deus, e que ela temia
mais as pessoas que tem medo dos demônios, e certos confessores. Nosso Senhor
lhe disse um dia: que temeis, não sou Onipotente? Estas palavras, exclama a
Santa, são capazes de fazer empreender grandes trabalhos: com efeito, tendo tão
grande Rei que tudo pode, que motivo temos para temer? O demônio, segundo o
testemunho de Santo Antônio, foge dos ânimos resolutos: o que é conforme à
Escritura que diz: Resisti ao demônio e ele fugirá de vós: o desprezo que se
lhe tem o suspende, e diminui sua força.
É sempre certo que
não pode dominar o livre arbítrio, que permanece sempre livre, ainda que, como
dissemos, eles possam, às vezes, impedir-lhe o uso: por este motivo os mágicos
e feiticeiros não podem nunca com seus malefícios obrigar a vontade a pecar: é
verdade que os malefícios excitam fortemente a pecar e causam veementes
tentações, o que arrasta a maior parte dos homens porque há poucos que sejam
fiéis à graça na mortificação de suas paixões, especialmente quando estas
estimulam vivamente.
Todavia não há
tentação, qualquer que seja, em que todos os demônios juntos conspirassem para fazer
sucumbir a ela, e da qual se não possa triunfar com o auxílio de Nosso Senhor.
O mal consiste em não
recorrer convenientemente aos meios divinos que nos concede, aos Sacramentos, à
penitencia, aos jejuns, à oração, e outros exercícios de virtude, e que se não
tem vigilância em dominar as más inclinações: quantas vezes os feiticeiros
fizeram todos os esforços para fazer consentir no pecado certas pessoas, de que
nunca puderam triunfar! Temos disto ilustre exemplo na pessoa de S. Justino mártir.
Entre os meios mais
eficazes contra os ataques dos demônios, no catecismo espiritual, são
socorridos com relíquias, e sobretudo com a Eucaristia, que é escudo e remédio
de todos os males sobrenaturais e naturais. A raiva que os demônios mostram
quando os possessos comungam, e o muito que os fazem sofrer, são claros sinais
do mal que os demônios encontram no Santíssimo Sacramento, e do bem que suas vítimas
neles encontram. A experiência mostra que para impedir este divino medicamento
eles deixam algum tempo em repouso os que atormentam, quando se afastam da
santa comunhão, buscando iludi-los com esta enganadora doçura: os diretores
devem acautelar-se de não privar estas pobres almas deste divino alimento que é
Deus mesmo, recorrendo à sua divina misericórdia a seu favor, fazendo visitas
devotas com este fim, jejuando, orando, fazendo penitencia pelas desordens que
o demônio lhes faz cometer, ainda que elas não sejam culpadas, humilhando-se
ante Deus por causa da soberba destes espíritos orgulhosos, buscando não lhes
dar armas com imperfeições e culpas.
Acabo este capítulo
por uma observação que fiz sobre pessoas possessas; é quase impossível faze-las
comungar quando se deixaram muito tempo privadas deste Sacramento de amor. Os demônios
se aproveitam desta privação para se fortificar de tal forma que é muito difícil
de os repelir.
(continua)
***
M. Henri-Marie Boudon. As santas veredas da cruz – em que
se trata de muitas pensa interiores e exteriores, e dos meios de fazer bom uso
delas.
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