sábado, 4 de julho de 2020

Penas causadas pelo demônio (M. Henri-Marie Boudon)


Santo caminho da cruz – Livro III – Capítulo VI –
Penas causadas pelo demônio.
Houve Santos que foram possessos dias antes de sua morte.
Se este estado é um dos mais humilhantes e penosos, é também um dos mais próprios para chegar à alta santidade. Se as pessoas que o sofrem expiam suas culpas, devem ter nisso consolação, e esperança de salvação: Deus que as castiga por meio dos demônios nesta vida, as livrará misericordiosamente de sua tirania no outro.
Oh! Que graça! Que misericórdia, que consolação, ver penas eternas e infinitas mudadas em sofrimentos que acabarão tão depressa, que elas considerem a Deus em seus tormentos, estando certas que o demônio nada pode fazer sem sua permissão, o que é fácil de observar na Escritura, que nos ensina que o demônio não pode tentar Jó, sem especial permissão de Deus: sendo assim, repito, que consolação!
Acreditemos que o Pai das misericórdias não permite que sejamos aflitos assim, senão para nosso maior bem. Mas nós não o conhecemos, parece-nos o contrário; basta que assim seja aos olhos de Deus, e isto nos deve contentar completamente. É preciso ter muita paciência, não disputar com nossos pensamentos, mas não fazer caso deles, fazendo emudecer o próprio entendimento, de forma que o demônio não saiba o que se passa no nosso interior, recolhendo-nos no centro da alma: que fruto se há de tirar deste trabalho, se se fizer bom uso dele!
Enfim, é preciso ter muita fortaleza. Não digo que convém senti-la, pois na parte sensível da alma encontra-se abatimento e desesperação. Santa Teresa refere que quando pensava que os demônios eram escravos do Senhor que servia, ela dizia: por que não terei animo de combater todo o inferno? Assegurava que não temia estas palavras, demônio, demônio, quando se pode dizer Deus, Deus, e que ela temia mais as pessoas que tem medo dos demônios, e certos confessores. Nosso Senhor lhe disse um dia: que temeis, não sou Onipotente? Estas palavras, exclama a Santa, são capazes de fazer empreender grandes trabalhos: com efeito, tendo tão grande Rei que tudo pode, que motivo temos para temer? O demônio, segundo o testemunho de Santo Antônio, foge dos ânimos resolutos: o que é conforme à Escritura que diz: Resisti ao demônio e ele fugirá de vós: o desprezo que se lhe tem o suspende, e diminui sua força.
É sempre certo que não pode dominar o livre arbítrio, que permanece sempre livre, ainda que, como dissemos, eles possam, às vezes, impedir-lhe o uso: por este motivo os mágicos e feiticeiros não podem nunca com seus malefícios obrigar a vontade a pecar: é verdade que os malefícios excitam fortemente a pecar e causam veementes tentações, o que arrasta a maior parte dos homens porque há poucos que sejam fiéis à graça na mortificação de suas paixões, especialmente quando estas estimulam vivamente.
Todavia não há tentação, qualquer que seja, em que todos os demônios juntos conspirassem para fazer sucumbir a ela, e da qual se não possa triunfar com o auxílio de Nosso Senhor.
O mal consiste em não recorrer convenientemente aos meios divinos que nos concede, aos Sacramentos, à penitencia, aos jejuns, à oração, e outros exercícios de virtude, e que se não tem vigilância em dominar as más inclinações: quantas vezes os feiticeiros fizeram todos os esforços para fazer consentir no pecado certas pessoas, de que nunca puderam triunfar! Temos disto ilustre exemplo na pessoa de S. Justino mártir.
Entre os meios mais eficazes contra os ataques dos demônios, no catecismo espiritual, são socorridos com relíquias, e sobretudo com a Eucaristia, que é escudo e remédio de todos os males sobrenaturais e naturais. A raiva que os demônios mostram quando os possessos comungam, e o muito que os fazem sofrer, são claros sinais do mal que os demônios encontram no Santíssimo Sacramento, e do bem que suas vítimas neles encontram. A experiência mostra que para impedir este divino medicamento eles deixam algum tempo em repouso os que atormentam, quando se afastam da santa comunhão, buscando iludi-los com esta enganadora doçura: os diretores devem acautelar-se de não privar estas pobres almas deste divino alimento que é Deus mesmo, recorrendo à sua divina misericórdia a seu favor, fazendo visitas devotas com este fim, jejuando, orando, fazendo penitencia pelas desordens que o demônio lhes faz cometer, ainda que elas não sejam culpadas, humilhando-se ante Deus por causa da soberba destes espíritos orgulhosos, buscando não lhes dar armas com imperfeições e culpas.
Acabo este capítulo por uma observação que fiz sobre pessoas possessas; é quase impossível faze-las comungar quando se deixaram muito tempo privadas deste Sacramento de amor. Os demônios se aproveitam desta privação para se fortificar de tal forma que é muito difícil de os repelir.

(continua)
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M. Henri-Marie Boudon. As santas veredas da cruz – em que se trata de muitas pensa interiores e exteriores, e dos meios de fazer bom uso delas.


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