sexta-feira, 31 de julho de 2020

A instrução religiosa das crianças: Deveres gravíssimos dos pais (D. Sebastião Leme - 1925)

A instrução religiosa das crianças

Deveres gravíssimos dos pais

CARTA CIRCULAR

 

QUE

O Sr. Arcebispo-Coadjutor D. Sebastião Leme mandou distribuir aos fiéis da Arquidiocese do Rio de Janeiro, durante a “Semana do Catecismo”, iniciada a 26 de julho de 1925.

I

A lei de Deus impõe aos pais a obrigação de educar e ensinar cristãmente os filhos

 

Entre os graves deveres dos pais, tutores e, em geral, todos os que têm, de algum modo, responsabilidade paterna, avulta a obrigação de educar cristãmente os filhos, os tutelados, as crianças que estão sob a sua guarda e proteção. Para verificarmos o quão graves são esses deveres, basta folhear os Livros Santos, em cujas páginas, inspiradas por Deus, temos a manifestação de sua Divina Vontade.

“Accipe puerum istum et nutri mihi. Toma esta criança e nutre-a para mim”. (Exod. II – 9).

Este é o preceito que Deus lhes impõe, com grave ônus para a consciência.

“Ponde minhas palavras em vosso coração e em vossa alma... ensinai-as a vossos filhos”. (Deut. XI – 18-19).

“Tens filhos? Instrui-os e procura sujeitá-los desde a puerícia”. (Ecle. VII – 25).

“Criai vossos filhos na doutrina e admoestação do Senhor”. (Efe. VI – 4).

“Os pais que, por negligência, perderem a alma de seus filhos, incorrerão na tremenda ameaça: de vossas mãos exigirei o seu sangue”. (Ezech. XXXIII, 8).

Diante de palavras tão austeras dos Livros de Deus, quem é que poderá duvidar da obrigação paterna em cuidar, com extremo zelo, da salvação espiritual dos filhos? Ora, a salvação eterna dos filhos depende da vida cristã que levarem, a qual, é certo, depende dos bons princípios religiosos recebidos na primeira infância.

Não se compreendem, pois, o desinteresse e a nenhuma preocupação dos pais em assunto de que depende a verdadeira felicidade dos filhos.

De que valerá que venham a ter filhos sábios, ricos ou poderosos, se faltarem a estes as luzes e as forças que levam até o céu?

E, no entanto, pais há que, sempre solícitos da saúde e do porvir terreno dos filhos, menosprezam e esquecem a sua única e verdadeira felicidade – a salvação da alma, pelo conhecimento e prática dos ensinamentos religiosos!

“O vosso cuidado, ó pais, escreve S. João Crisóstomo, não deve tender a fazer de vosso filho um sábio, mas sim a instruí-lo de modo a torná-lo perfeito cristão. Sois apóstolos de vossa família, e a vós compete governá-la e instruí-la”.

São de Bento XIV as seguintes expressões: “Os pais que não ensinam aos filhos os princípios da religião, expõem-se a condenar-se eternamente”.

Que os pais e mães meditem essas palavras do grande e sábio pontífice.

Tal ensinamento, comum nos mestres e doutores da fé católica, é simples eco da palavra divina contida naquilo de S. Paulo: “Se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente de sua família, negou a fé e é pior que o infiel” (S. Paulo, I, Tim. V – 8).

Com todo o fundamento, portanto, legisla o Código de Direito Canônico, órgão supremo das leis da Igreja: “Têm os pais estrita obrigação de procurar para seus filhos a instrução catequética”. (Can. 1335).

Não menos explícitas são as admoestações do nosso Episcopado, ao prefaciar o Catecismo Diocesano: “Com todas as veras exortamos aos pais de família, que infundam em seus filhos as verdades e máximas da religião católica, a observância de suas leis, a frequência de seus sacramentos e a prática das virtudes”. (Prefac. Ao III Catecismo C. f. r. Const. Provinciais, n. 1488 e sgts.)

Os filhos, como as riquezas, não são propriedades dos pais, são dons de Deus (Salmos 128, 3), são criaturas do Altíssimo, destinadas a uma sublime felicidade. São filhos do Pai Celeste, a quem invocam com o doce nome de pai. Os pais, rigorosamente falando, são apenas servos de Deus. Na educação dos filhos devem regular-se pela vontade divina.

O homem não é somente um corpo corruptível; é também uma alma racional, nobilíssima, criada à imagem da divindade. Como todas as criaturas, ele tem um fim supremo que outro não é senão Deus, a quem deve conhecer, amar e servir nesta vida, para depois gozá-Lo no céu.

Esse, o destino supremo da criatura humana, esse o seu fim último[1]; tudo mais é secundário, aos olhos de Deus e da fé. Daí a importância, a necessidade absoluta de se incutirem nas crianças, desde os primeiros albores da razão, os princípios e verdades da Religião de Nosso Senhor, que é o único verdadeiro caminho da felicidade eterna.

Daí a grave obrigação e responsabilidade dos pais, quanto à educação religiosa dos filhos, e neste assunto não pode haver a menor dúvida.

É patente o ensino da revelação, confirmado pelos princípios da razão natural.

 

II

Como podem e devem os pais cumprir a gravíssima obrigação da instrução religiosa dos filhos, desde a primeira infância

 

A primeira escola da criança é o lar doméstico. Seus primeiros mestres são os pais. Às mães, todavia, de um modo todo especial, incumbe o desempenho dessa grande e imperiosa missão.

É no regaço materno que o filho deve aprender a conhecer, de um modo geral, os seus principais deveres de criaturas de Deus.

Dois senhores disputam a posse dessa alma inocente: Deus que é o seu verdadeiro dono, e o demônio que pelo mal usurpa um domínio que lhe não compete.

Mostrar à criança de onde veio, o que é, para onde deve tender, eis o primeiro dever da educadora por excelência, que Deus colocou ao lado do berço da criança, como um anjo custódio visível.

De suma importância é essa primeira formação religiosa, visto como essas primeiras ideias ficarão eternamente gravadas na memória dos filhos.

“Os pais, escreve Cornélio a Lapide, devem ensinar seus filhos, na sua mais tenra infância, porque nessa idade, são tábuas lisas que retêm as palavras que nelas se escrevem, e as conservam até a velhice”.

Deve ser o primeiro cuidado dos pais ensinar os filhos a invocar a Deus, a Santíssima Virgem, com ele recitando o Padre Nosso, o Creio em Deus Padre, a Ave-Maria, a Salve Rainha e outras coisas rudimentares.

De causar lástima é que, por culpa ou negligência dos pais, homens haja que, nos momentos de tristeza e provação, fiquem privados das consolações indizíveis de um Padre Nosso ou de uma Ave-Maria, rezados com devoção.

Precisariam rezar essas preces tão benfazejas, deveriam rezá-las! Quereriam mesmo rezá-las, mas – infelizes! -, não tiveram um coração de mãe que as houvesse ensinado, quando crianças...

Enquanto é tempo, lembrem-se os pais e, principalmente, as mães que, ensinando os filhinhos a rezar, a eles e a si próprios pouparão não pequenas desventuras.

À proporção que vão crescendo, quando mais claramente entendem as coisas que se lhes ensinam, é necessário pensar na sua confissão e primeira comunhão.

Esse grande ato da vida religiosa da criança deve ser feito o mais cedo possível, antes que naquela alma venha cair a semente do mal.

A primeira comunhão é um ato de posse de Deus, verdadeiro senhor daquele coraçãozinho; é também um poderoso preservativo contra o pecado.

A instrução preparatória para a primeira comunhão deve ser metódica, mas nem por isso devem deixar os pais de empreendê-la, até mesmo antes do tempo oportuno de se matricularem em algum curso ou aula de catecismo.

Além das verdades gerais: a criação divina, a dependência da criatura, o fim do homem etc., deve a criança conhecer, de um modo geral, ao menos os dois sacramentos: o da confissão e o da comunhão.

Se aos pais lhes falece competência ou não têm lazeres[2] para essa instrução, devem encarregar outra pessoa de confiança. Isso, porém, não dispensa que inscrevam os filhos em cursos religiosos de alguma escola católica ou procurem enviá-los à igreja paroquial ou à igreja mais próxima[3].

O ensino religioso do sacerdote e da escola não dispensa, por sua vez, a afetuosa cooperação dos pais. Assim, muito concorre a mãe, com seus conselhos, para que a primeira comunhão seja feita não só com intensas aspirações das crianças, como ainda com todo o respeito e piedade. E, em geral, é papel dos pais corroborar, com suas palavras e exemplos, os ensinamentos que os filhos recebem de seus catequistas.

Baldados serão os esforços dos educadores, se os pais desedificam os filhos pelas palavras e pelos maus exemplos.

Se querem ter filhos piedosos, deem-lhes o exemplo de piedade.

Reflitam seriamente em que não é bastante matricular os filhos na aula de catecismo.

É dever dos pais empenharem-se para que as crianças sejam assíduas e perseverem, mesmo depois de feita a primeira comunhão.

Uma instrução religiosa interrompida, ministrada a trechos, nunca será uma instrução sólida qual deve ter todo cristão.

 

III

Não deve a instrução religiosa dos filhos terminar com a primeira infância

 

A primeira comunhão não pode, não deve ser um ponto final na aprendizagem cristã.

O católico pode e deve instruir-se na religião até a morte.

Depois de termos aprendido muito, ainda nos resta muito que aprender. Como classificar, portanto, a incúria dos pais que, uma vez passadas as festas da primeira comunhão dos filhinhos, inteiramente se despreocupam de sua formação religiosa, dispensando-os da frequência do catecismo?

A instrução religiosa foi sempre necessária e o é, muito mais, nos tempos que atravessamos.

A impiedade não dorme.

Os adversários de Deus e da alma estão sempre vigilantes.

Lemos em jornais, revistas, em folhetos avulsos, um sem número de objeções contra a Igreja, acusações contra o clero, que desconcertam, por vezes, certos católicos de quem se esperava melhor preparo em matéria religiosa.

A resposta a essas cavilações, encontra-se, não raro, nas páginas de um compêndio de religião, mas a instrução superficial até lá não chegou.

Aprenderam o catecismo, tanto quanto fora julgado indispensável para a primeira comunhão, e nada mais!

Se crescidos nos anos, ao despertar das paixões, ao contato com a mentira e a maldade de más companhias, os vossos filhos pronto se deixam vencer pelas facilidades da descrença, ou da impiedade, de quem é a culpa, senão dos pais que lhe não proporcionaram formação religiosa a mais profunda e sólida possível?

Cumpre, portanto, aos pais, empenhar-se na formação espiritual dos seus filhos, envidando todos os esforços para que continuem a assistir as instruções religiosas, envidando todos os esforços para que continuem a assistir as instruções religiosas na paróquia, ou em outras igrejas ou em escolas e colégios católicos.

Quanto a colégios, fique bem acentuado ser gravíssimo dever dos pais que prefiram sempre os colégios religiosos e, na falta desses ou em caso de impossibilidade, prefiram os colégios em que o ensino da religião é ministrado por sacerdotes.

Mostra-nos a triste experiência que não raro em jovens, bem educados religiosamente, esmoreça a fé, devido às facilidades de costumes, autorizadas pela irreligião, mas que pela fé são inexoravelmente estigmatizadas. 

Se tais defecções se dão com alguns que tiveram boa educação religiosa, que é que haveremos de esperar dos que nada ou pouco dela receberam?

Segue-se que os pais solícitos e conscienciosos devem, não só procurar maior desenvolvimento de cultura religiosa dos filhos, mesmo depois de adolescentes e moços, como ainda tomar todas as providências e precauções para defendê-los das seduções e leviandades perigosas do ambiente moral em que possam viver durante os anos da mocidade.

 

IV

Os conselhos que os bispos brasileiros dão aos pais

 

Praz-nos reproduzir aqui as palavras dos Prelados Brasileiros, que tanto se interessam pela educação religiosa da juventude.

“Uma boa educação é o mais precioso de todos os tesouros que os pais podem deixar a seus filhos. Por meio dela, ganharão, os filhos, todos os outros bens; as riquezas e as virtudes, levarão uma vida honesta e feliz nesta terra, salvarão a alma, alcançarão a vida eterna. Aqueles que, descuidando da educação católica dos filhos só pensam em trabalhar para enriquecê-los e guindá-los a maiores honras e grandezas terrenas, fornecem-lhes armas perigosas para sua desgraça e perdição.

A lei natural e a divina exigem que os pais eduquem os filhos com esmero, e não há motivo algum que os possa eximir desse dever. (C. P. S. A. n. 735).

A razão, a fé e a experiência ensinam que só na Igreja de Jesus Cristo, encontram os fiéis as regras seguras para a boa educação dos filhos. Na fé e na moral católica, devem, pois, os pais basear essa educação.

Como, porém, o ensino pouco ou nada aproveita sem o exemplo, é necessário que este confirme aquele. Sejam, portanto, os pais suficientemente instruídos, para que o ensino que derem seja eficaz. Não confiem seus filhos senão a mestres profundamente católicos. Rejeitem os sistemas de educação sem Deus ou contra Deus, as escolas sem disciplina séria, e mais ainda os que pecam por falta de moralidade.

Peçam a Deus os auxílios necessários, para bem desempenharem o grave dever da educação dos filhos.

Empenhem-se em ministrar às crianças, desde a mais tenra infância, os conhecimentos das coisas celestes, e em lhes infundir nos corações inocentes ódio profundo aos vícios e ardente amor a todas as virtudes.

Logo que seus filhos atingirem o uso da razão, redobrem de vigilância, procurem habituá-los, suavemente, a guardarem os preceitos da Igreja, e velem para que nada vejam, nem aprendam que possa fazer perigar a sua fé e pureza de costumes.

Façam todos os esforços para que, com a idade, vá neles crescendo a piedade para com Deus, e a frequência dos Santos Sacramentos”. (Const. Prov. N. 1189 e seg.).

Cumpram os pais e tutores este sacratíssimo dever, na certeza de cumprirem uma nobre missão, altamente patriótica e sumamente meritória para a vida eterna.

 

Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, 19 de julho de 1925.

 

 

De ordem de S. Exa. Revma. O Sr. Arcebispo-Coadjutor

 

Cônego Francisco Freire

Servindo de Secretário




[1] Sua suprema finalidade.

[2] Refere-se aqui ao tempo necessário para realizar a instrução religiosa.

[3]Nota: para nossa tristeza, atualmente o ensino religioso ministrado nos colégios católicos e a catequese de nossas paróquias constituem grave risco à fé dos infantes. Por essa razão, a eles se aplicam a ressalva feita pelo Cardeal logo na sequência: “Não confiem seus filhos senão a mestres profundamente católicos. Rejeitem os sistemas de educação sem Deus ou contra Deus, as escolas sem disciplina séria, e mais ainda os que pecam por falta de moralidade”.


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