sábado, 4 de julho de 2020

Tratado do Syllabus - Proposição 39 (Pe. Miguel Sánchez López)


Sexto ponto
Erros da sociedade civil

1 – Na Proposição 39 condena-se o erro seguinte:
O Estado, como origem e fonte de todo o direito, tem um direito que não conhece limite (XXXIX. Reipublicae status, utpote omnium iurium origo et fons, iure quodam pollet nullis circumscripto limitibus. Alloc. Maxima quidem, 9 iunii 1862).
Isto é nem mais nem menos que o cesarismo disfarçado. Antigamente diziam os regalistas ou aduladores do poder real: a vontade do rei tem força de lei.
Agora, os racionalistas, aduladores do Estado, plagiando os regalistas, exclamam: “O Estado pode tudo”. Este é o despotismo mais absurdo e mais desenfreado.
O poder público, chame-se rei, ou presidente, nação ou Estado, necessita ter e reconhecer acima de si uma lei à qual não possa deixar de submeter—se. Esta lei, que só pode ser a emanação da lei eterna ou a lei natural, deve compreender todos os princípios fundamentais da justiça. Estes princípios de justiça devem ser uma coisa santa, na qual nunca possa tocar nenhum legislador. Assim é que proclamando-se estes princípios, o despotismo será impossível, porque o Estado não poderá jamais atentar contra a propriedade, a honra e a vida dos cidadãos. As leis do Estado devem ser um reflexo da lei eterna e não podem considerar-se validas e justas se não o forem. Além disto, admitindo a lei moral, o Estado nada poderá fazer por capricho: tudo quanto fizer, há de ser justo ou conforme ao bem comum da sociedade.
Daqui se infere que, uma vez admitido o princípio socialista de que o Estado é a origem e o princípio de todos os direitos, ou que o direito do Estado não tem limites, fica o Estado colocado acima da justiça, e a lei natural deixa de ser uma garantia contra os excessos do poder público.
Além disso, proclamada que seja a máxima de que o Estado não tem limites, nega-se absolutamente a justiça de Deus e radicalmente a dignidade dos povos. Nega-se a justiça de Deus, porque se supõe que acima do Estado não há mais nada; nega-se a dignidade dos povos porque ficam entregues a um poder sem freio, o qual não tem outros limites que não sejam o seu capricho ou a sua força.
Esta noção ou ideia do Estado, se não é fonte e origem de direitos, é e não pode deixar de ser, manancial inesgotável de revoluções.
O Estado está limitado:  
1º pela lei eterna de Deus que lhe marca um círculo do qual jamais poderá sair. Os preceitos do Decálogo obrigam tanto os particulares como os homens que se chamam – Estado. Diante de Deus tão assassino e incendiário é o que assassina e incendeia nos campos ou nas barricadas, como o que assassina e incendeia desde a alta esfera do governo ou desde os corpos colegiados; 
2º pela tradição ou os antigos costumes dos povos que constituem leis sagradas contra as quais se não poderá nunca atentar impunemente; 
3º pelas formas legais ou pelas formalidades que as leis requerem em todos os atos do poder, no intuito de prevenir e evitar os efeitos da precipitação e do capricho.
Prova isto tudo que o direito do Estado não é nem pode ser absoluto, que tem e não pode deixar de ter muitas e importantes limitações.
Por outra parte, o Estado não é nem pode ser origem e fonte de direitos, porque o Estado não dá direitos, mas deve limitar-se a defender e amparar os direitos que recebemos de Deus e da própria natureza.
O homem tem direito a que se respeite a sua honra, a sua vida e a sua propriedade; estes direitos, porém, não só não têm a sua origem no Estado, senão que são muito anteriores ao Estado.
O homem tem direito a que se cumpra o que com ele se pactuou; este direito, porém, não lh’o dá o Estado, mas a mesma lei natural que impõe a todos a obrigação de observar pontualmente os contratos.
A missão do Estado, nestes casos, limita-se a reconhecer o direito e a defende-lo contra quem o negar. Pensando de outro modo, admitindo a máxima tão absurda como perniciosa de que o Estado é a fonte e a origem de todos os direitos, tem necessariamente de concordar conosco em que o Estado pode, quando quiser, negar os direitos que dele procedem.
Se o Estado é a fonte de todos os direitos, o homem não tem outros direitos à sua vida e à sua propriedade senão os que lhe conceder o Estado, e só durante o tempo que lh’os conceda ou enquanto lhe permitir usar deles.
Deste modo o Estado poderá impor a pena de morte a quem melhor lhe pareça, ou despojar da propriedade a quem julgar conveniente. A razão disto é óbvia. O que dá o Estado, pode ser tirado pelo Estado. Logo, se o Estado é quem dá o direito à vida, à propriedade, o Estado pode também tirar o direito da propriedade e da vida.
Medite-se bem e depois se compreenderá melhor quanto é absurdo e ímpio o princípio fundamental do socialismo. Estes princípios são muitas vezes admitidos por se não pensar bem nas monstruosas consequências que trazem consigo irresistivelmente pela lei inflexível da lógica.
(Continua)
***
Pe. Miguel Sánchez López (1833-1889). Tratado do Syllabus, in. Prontuario de la Teología moral , 1872.

Pe. Miguel Sánchez López (1833-1889).

Nenhum comentário:

Postar um comentário