Sexto ponto
Erros da sociedade civil
1 – Na Proposição 39
condena-se o erro seguinte:
O Estado, como origem e fonte de todo o
direito, tem um direito que não conhece limite (XXXIX. Reipublicae status, utpote omnium iurium origo et fons, iure
quodam pollet nullis circumscripto limitibus. Alloc. Maxima quidem, 9 iunii
1862).
Isto é nem mais nem
menos que o cesarismo disfarçado. Antigamente diziam os regalistas ou
aduladores do poder real: a vontade do rei tem força de lei.
Agora, os
racionalistas, aduladores do Estado, plagiando os regalistas, exclamam: “O
Estado pode tudo”. Este é o despotismo mais absurdo e mais desenfreado.
O poder público, chame-se
rei, ou presidente, nação ou Estado, necessita ter e reconhecer acima de si uma
lei à qual não possa deixar de submeter—se. Esta lei, que só pode ser a
emanação da lei eterna ou a lei natural, deve compreender todos os princípios
fundamentais da justiça. Estes princípios de justiça devem ser uma coisa santa,
na qual nunca possa tocar nenhum legislador. Assim é que proclamando-se estes
princípios, o despotismo será impossível, porque o Estado não poderá jamais atentar
contra a propriedade, a honra e a vida dos cidadãos. As leis do Estado devem ser
um reflexo da lei eterna e não podem considerar-se validas e justas se não o
forem. Além disto, admitindo a lei moral, o Estado nada poderá fazer por
capricho: tudo quanto fizer, há de ser justo ou conforme ao bem comum da
sociedade.
Daqui se infere que,
uma vez admitido o princípio socialista de que o Estado é a origem e o
princípio de todos os direitos, ou que o direito do Estado não tem limites,
fica o Estado colocado acima da justiça, e a lei natural deixa de ser uma
garantia contra os excessos do poder público.
Além disso,
proclamada que seja a máxima de que o Estado não tem limites, nega-se
absolutamente a justiça de Deus e radicalmente a dignidade dos povos. Nega-se a
justiça de Deus, porque se supõe que acima do Estado não há mais nada; nega-se
a dignidade dos povos porque ficam entregues a um poder sem freio, o qual não
tem outros limites que não sejam o seu capricho ou a sua força.
Esta noção ou ideia
do Estado, se não é fonte e origem de direitos, é e não pode deixar de ser,
manancial inesgotável de revoluções.
O Estado está limitado:
1º pela lei eterna de Deus que lhe marca um círculo do qual jamais
poderá sair. Os preceitos do Decálogo obrigam tanto os particulares como os
homens que se chamam – Estado. Diante de Deus tão assassino e incendiário é o
que assassina e incendeia nos campos ou nas barricadas, como o que assassina e
incendeia desde a alta esfera do governo ou desde os corpos colegiados;
2º pela
tradição ou os antigos costumes dos povos que constituem leis sagradas contra
as quais se não poderá nunca atentar impunemente;
3º pelas formas legais ou
pelas formalidades que as leis requerem em todos os atos do poder, no intuito
de prevenir e evitar os efeitos da precipitação e do capricho.
Prova isto tudo que o direito do
Estado não é nem pode ser absoluto, que tem e não pode deixar de ter muitas e
importantes limitações.
Por outra parte, o Estado não é nem
pode ser origem e fonte de direitos, porque o Estado não dá direitos, mas deve
limitar-se a defender e amparar os direitos que recebemos de Deus e da própria natureza.
O homem tem direito a que se respeite
a sua honra, a sua vida e a sua propriedade; estes direitos, porém, não só não
têm a sua origem no Estado, senão que são muito anteriores ao Estado.
O homem tem direito a que se cumpra o
que com ele se pactuou; este direito, porém, não lh’o dá o Estado, mas a mesma
lei natural que impõe a todos a obrigação de observar pontualmente os
contratos.
A missão do Estado, nestes casos,
limita-se a reconhecer o direito e a defende-lo contra quem o negar. Pensando de
outro modo, admitindo a máxima tão absurda como perniciosa de que o Estado é a fonte
e a origem de todos os direitos, tem necessariamente de concordar conosco em
que o Estado pode, quando quiser, negar os direitos que dele procedem.
Se o Estado é a fonte de todos os
direitos, o homem não tem outros direitos à sua vida e à sua propriedade senão
os que lhe conceder o Estado, e só durante o tempo que lh’os conceda ou
enquanto lhe permitir usar deles.
Deste modo o Estado poderá impor a
pena de morte a quem melhor lhe pareça, ou despojar da propriedade a quem
julgar conveniente. A razão disto é óbvia. O que dá o Estado, pode ser tirado
pelo Estado. Logo, se o Estado é quem dá o direito à vida, à propriedade, o
Estado pode também tirar o direito da propriedade e da vida.
Medite-se bem e depois se compreenderá
melhor quanto é absurdo e ímpio o princípio fundamental do socialismo. Estes
princípios são muitas vezes admitidos por se não pensar bem nas monstruosas consequências
que trazem consigo irresistivelmente pela lei inflexível da lógica.
(Continua)
***
Pe. Miguel Sánchez
López (1833-1889). Tratado do Syllabus, in. Prontuario de la Teología moral , 1872.
Pe. Miguel Sánchez López (1833-1889).
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