terça-feira, 21 de julho de 2020

Excerto da CARTA PASTORAL (1891) do Bispo de Olinda, D. JOÃO ESBERARD (1843-1897), aos seus diocesanos.


Veneráveis irmãos e filhos muito amados

XXXVI
Deve um Bispo cercar de especial solicitude a mocidade, na qual assentam as viçosas esperanças do futuro.
A ela a nossa derradeira saudação, uma das mais afetuosas que pudermos extrair da nossa alma.
Moços, que sentis a vida a referver nas vossas veias entumecidas, curvai-vos ao jugo salutar da disciplina católica. Subjugai as vossas paixões para que vos não arrastem a atos de indignidade. Conservai puros os afetos do vosso coração e a vossa mente não conhecerá os tristonhos e funestos nevoeiros do erro. O vício impuro, rebaixando o espírito, obscurece o lume da razão natural e, na frase enérgica de S. Paulo, a tal ponto animaliza o homem, que o torna impotente para elevar-se à sublime compreensão das coisas de Deus: Animalis homo non percipit ea quae sunt Spiritus Dei[1] (1. Cor., c. II,, v. 14).
Vós especialmente, ó moços que seguis a nobre carreira das letras, sede castos. Esta luminosa virtude emancipa o espírito humano da humilhante escravidão de uma carne revoltada, e, segundo observação de Santo Tomás de Aquino – a águia mais altaneira da ciência -, o prepara e dispõe à perfeição das operações intelectuais.
Amais apaixonadamente a ciência? Fazeis bem. Mas porque não estudareis com igual afinco os sólidos fundamentos e os elevados princípios da nossa fé? Conflitos entre a religião e a ciência, não somos nós que os tememos.
Sabeis o que nos amedronta? Amedronta-nos, e muito, a insolência quer da ignorância em matéria de religião, quer da fatuidade do meio-saber. Estas são as chagas mais temerosas da época, e que aí estão a corroer a briosa mocidade das nossas escolas superiores.
Quanto a vós, estudantes católicos, hauri a largos haustos a ciência da fé em fontes puras e cristalinas. Sois as esperanças da religião e da pátria. Formai em vós almas viris, que não saibam recuar diante do dever; caracteres firmes, que se não abastardem à miragem de sedutores interesses; corações generosos que se ufanem de pulsar ao movimento de tudo quanto é grande e enobrecedor; vontades inquebrantáveis, que esposem todas as causas santas e as tomem debaixo da sua valente guarda.
            Mocidade católica, vinde ao vosso Bispo, e ele vos ensinará o temor de Deus, que é o glorioso princípio de toda a sabedoria: Initium sapientiae timor Domini[2] (Salmos, CX, v. 10).
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Vós também, meninas, que ainda conservais a inocência do vosso batismo e que na calma da vossa natureza infantil ainda não sentis os assaltos das paixões, vindo ao vosso Bispo, Ele vos abençoará para firmar-vos no bem.
Vinde, filhinhos da nossa alma, vinde, que vos daremos o pão da divina palavra, mas bem partido em pequeninos, como reclama as necessidades de vossos tenros anos. É ainda forte demais este pão? Não receeis, vinde sempre, que a vossa almazinha faminta não ficará frustrada em suas aspirações. O Bispo também é mãe. Ele tem o leite substancial da doutrina. Vinde, que o instalaremos em vossa almazinha. Teremos depois o direito de dizer-vos com S. Paulo: “Estais vendo, pequeninos de Cristo, com que amor vos demos a beber o leite delicado de uma instrução apropriada, e não esse alimento sólido que só convém a inteligências mais desenvolvidas? Tanquam parvulis in Christo, lac vobis potum dedi, non escam; nondum enim poteratis[3] (I Cor., c. III, vs. 1 e 2).
Representante daquele Jesus que costumava apresentar-vos como o tipo dos candidatos ao céu (Mat., c. XVIII, v. 3)[4], erguemos daqui a voz para profligar o criminoso procedimento dos que, pretendendo impedir-vos de irdes ao vosso divino amigo, encerram-vos nos acanhados programas de um ensino leigo, como em linguagem bárbara lhe chamam eles, onde estais condenados a não ouvir uma só palavra de Deus, do bom Jesus, da Santa Madre Igreja, dos vossos deveres cristãos, dos eternos destinos da vossa alma!...


XXXVII
Veneráveis Irmãos e filhos muito amados – que a todos os nossos diocesanos em geral tornamos a dirigir agora a nossa palavra -, lançando os olhos contristados em derredor de nós e contemplando essa propaganda tenaz que multiplica as suas formas para destruir a religião católica, sentimo-nos inclinado a temer para o nosso caro Brasil o grande mal, a desgraça ingente que o atribulado Papa Leão XIII teme pela sua desditosa Itália. Parece incrível, e entretanto é uma verdade que já se não pode mais ocultar: somos chegados a este ponto, que no Brasil, como na Itália, muito há que temer a perda total da fé (Encíclica de 15 de outubro de 1890).
No meio dessa aluvião de erros, cada qual mais perverso, que alaga a sociedade brasileira, que há de ser das vossas almas, se vos não mantiverdes firmes na arca santa das crenças católicas? Temeroso pelas contas que perante o Pastor supremo havemos de dar de cada um de vós, sentimos a necessidade de dirigir ao Senhor esta divina prece, que saiu mais do coração que dos lábios de Jesus: Pater sancte, serva eos in nomine tuo, quos dedisti mihi[5] (João, c. XVII, v. 11).
Oh! Praza ao céu, veneráveis irmãos e filhos muito amados, que tenhamos a dita de vos ver crescer continuamente em Cristo, nosso chefe, em toda sorte de boas obras: crescamus in illo per omnia qui est caput Christus[6] (Efe., c. IV, v. 15). Este é o caminho do verdadeiro progresso, caminho todo iluminado por onde deve andar o cristão que aspira à luz, que aspira ao bem, que aspira ao céu. Contemplando os vossos contínuos progressos por esse caminho da eterna salvação, a nossa alma reconhecida magnificará ao Senhor, e, na retribuição do futuro juízo, quando houvermos de comparecer perante o justo juiz do nosso episcopado, ali sereis, pelas vossas boas obras, a nossa alegria e a nossa coroa. Oxalá tenhamos então a inefável consolação de lhe podermos dizer: “Vê, Senhor: Conservei os que me deste, e, graças a Ti, nenhum deles se perdeu: Quos dedisti mihi custodivi, et nemo ex his perivit[7] (João, c. XVII, v. 12).
“E o Deus da paz que, pelo sangue do eterno testamento, ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo Senhor nosso, grande pastor de ovelhas, vos torne idôneos em todo o bem para que façais a sua vontade, operando ele mesmo em vós o que lhe seja agradável por Jesus Cristo, ao qual é dada glória pelos séculos dos séculos. Amém”. (Heb., c. XIII, vs. 20 e 21).
Veneráveis irmãos e filhos muito amados, cheio de confiança vos deixamos sob a guarda do coração imaculado de Maria Santíssima, a quem desde a mais tenra infância amamos com afeto filial e a quem ora tomamos para nossa especialíssima protetora e guia durante os dias do episcopado, pedindo-lhe com repetidas instâncias se digne de preparar-nos sempre um caminho livre de perigos, um caminho seguro, por onde vos possamos conduzir à eterna bem-aventurança: Iter para tutum[8]. (Breviário Romano, hino Ave, maris stella).
E a benção de Deus onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, desça sobre todos vós e convosco permaneça para sempre: Benedictio Dei omnnipotentis, Patris, et Filii, et Spiritus Sancti, descendat super vos et maneat semper!
Dada e passada nesta cidade do Rio de Janeiro, sob o nosso sinal e selo das nossas armas, aos 15 de outubro de 1891, festa da seráfica Reformadora do Carmelo, a gloriosa Santa Teresa de Jesus.
† JOÃO, Bispo de Olinda.




[1] O homem animal não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus.
[2] O temor do Senhor é o princípio da sabedoria.
[3] Como a pequeninos em Cristo, nutri-vos com leite, (e) não com alimento sólido; porque não podeis (digeri-lo).
[4] E disse: Na verdade vos digo que, se vos não converterdes e vos não tornardes como meninos, não entrareis no reino dos céus.
[5] Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste.
[6] Cresçamos em todas as coisas naquele que é a cabeça, o Cristo.
[7] Conservei os que me deste; e nenhum deles se perdeu...
[8] Põe-nos em via segura.



Nasceu em Barcelona, Espanha, em 10 de outubro de 1843, e faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de janeiro em 1897. Oriundo de família francesa, veio muito jovem para o Brasil, passando a residir em Campos (RJ), onde fez seus estudos básicos. Em 1864, matriculou-se no Seminário Episcopal de S. José. Em agosto de 1864 recebeu as ordens sacerdotais. Os estudos de Filosofia foram completados no Colégio de S. Luís, Itu (SP). No Seminário, lecionou e foi, ao mesmo tempo, o capelão das freiras de Santa Teresa do Rio de Janeiro. Por ocasião da Questão Religiosa, colocou-se inteiramente a favor do Syllabus, ao lado da Cúria Romana. Viajou a Roma, tendo sido nomeado, pelo Papa, monsenhor do Solio Pontifício. Bispo titular de Guerra (1890). Bispo de Olinda desde 1892. No ano seguinte, com a elevação do Bispado da Capital Federal para Arcebispado, assumiu a mais alta direção eclesiástica do Rio de Janeiro. Colaborou em O Apóstolo, Nova Era e Brasil, órgão constitucional. Em 1891, foi eleito sócio correspondente do IHGB. Passou a honorário em 1895.
Publicou:
- As Delícias da Piedade: tratado sobre o culto da Santíssima Virgem, seguido de conferência sobre o culto dos Santos pelo padre Ventura de Raulica (tradução do francês), RJ: Tip. de O Apóstolo, 1867;
A Igreja Católica e o Sr. Bispo Diocesano e o Maçonismo, RJ, 1872.
Questão “Ite, missa est’, RJ, 1884.
 Criação de uma Faculdade de Ciências Religiosas: sua organização e plano de estudo, RJ, 1884.
A obra da Santa Infância no Brasil: relatórios ... (1886/87), RJ, 1887.
A Rosa de Ouro, RJ, 1888.
Da Igreja e de Sua Divina Missão: carta pastoral, RJ, 1891.
Do Chefe da Igreja e sua ação social: carta pastoral, Recife, 1894.


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