Veneráveis irmãos e
filhos muito amados
XXXVI
Deve um Bispo cercar
de especial solicitude a mocidade, na qual assentam as viçosas esperanças do
futuro.
A ela a nossa
derradeira saudação, uma das mais afetuosas que pudermos extrair da nossa alma.
Moços, que sentis a vida a referver nas vossas veias
entumecidas, curvai-vos ao jugo salutar da disciplina católica. Subjugai as vossas
paixões para que vos não arrastem a atos de indignidade. Conservai puros os afetos do vosso coração e a vossa mente não
conhecerá os tristonhos e funestos nevoeiros do erro. O vício impuro,
rebaixando o espírito, obscurece o lume da razão natural e, na frase enérgica
de S. Paulo, a tal ponto animaliza o homem, que o torna impotente para
elevar-se à sublime compreensão das coisas de Deus: Animalis homo non percipit ea quae sunt Spiritus Dei[1]
(1. Cor., c. II,, v. 14).
Vós especialmente, ó
moços que seguis a nobre carreira das letras, sede castos. Esta luminosa
virtude emancipa o espírito humano da humilhante escravidão de uma carne
revoltada, e, segundo observação
de Santo Tomás de Aquino – a águia mais altaneira da ciência -, o
prepara e dispõe à perfeição das operações intelectuais.
Amais apaixonadamente
a ciência? Fazeis bem. Mas porque não estudareis com igual afinco os
sólidos fundamentos e os elevados princípios da nossa fé? Conflitos
entre a religião e a ciência, não somos nós que os tememos.
Sabeis o que nos
amedronta? Amedronta-nos, e muito, a
insolência quer da ignorância em matéria de religião, quer da fatuidade do
meio-saber. Estas são as chagas mais temerosas da época, e que aí estão a
corroer a briosa mocidade das nossas escolas superiores.
Quanto a vós,
estudantes católicos, hauri a largos haustos a ciência da fé em fontes puras e
cristalinas. Sois as esperanças da religião e da pátria. Formai em vós almas viris,
que não saibam recuar diante do dever; caracteres firmes, que se não abastardem
à miragem de sedutores interesses; corações generosos que se ufanem de pulsar
ao movimento de tudo quanto é grande e enobrecedor; vontades inquebrantáveis,
que esposem todas as causas santas e as tomem debaixo da sua valente guarda.
Mocidade católica, vinde ao vosso
Bispo, e ele vos ensinará o temor de Deus, que é o glorioso princípio de toda a
sabedoria: Initium sapientiae timor
Domini[2]
(Salmos, CX, v. 10).
__
Vós também, meninas,
que ainda conservais a inocência do vosso batismo e que na calma da vossa
natureza infantil ainda não sentis os assaltos das paixões, vindo ao vosso
Bispo, Ele vos abençoará para firmar-vos no bem.
Vinde, filhinhos da
nossa alma, vinde, que vos daremos o pão da divina palavra, mas bem partido em
pequeninos, como reclama as necessidades de vossos tenros anos. É ainda forte
demais este pão? Não receeis, vinde sempre, que a vossa almazinha faminta não
ficará frustrada em suas aspirações. O Bispo também é mãe. Ele tem o leite
substancial da doutrina. Vinde, que o instalaremos em vossa almazinha. Teremos
depois o direito de dizer-vos com S. Paulo: “Estais vendo, pequeninos de Cristo, com que amor vos demos a beber o
leite delicado de uma instrução apropriada, e não esse alimento sólido que só
convém a inteligências mais desenvolvidas? Tanquam parvulis in Christo, lac vobis
potum dedi, non escam; nondum enim poteratis”[3] (I Cor., c. III,
vs. 1 e 2).
Representante daquele
Jesus que costumava apresentar-vos como o tipo dos candidatos ao céu (Mat., c.
XVIII, v. 3)[4], erguemos
daqui a voz para profligar o criminoso procedimento dos que, pretendendo
impedir-vos de irdes ao vosso divino amigo, encerram-vos nos acanhados
programas de um ensino leigo, como em linguagem bárbara lhe chamam eles, onde
estais condenados a não ouvir uma só palavra de Deus, do bom Jesus, da Santa
Madre Igreja, dos vossos deveres cristãos, dos eternos destinos da vossa alma!...
XXXVII
Veneráveis Irmãos e
filhos muito amados – que a todos os nossos diocesanos em geral tornamos a
dirigir agora a nossa palavra -, lançando os olhos contristados em derredor de
nós e contemplando essa propaganda tenaz que multiplica as suas formas para
destruir a religião católica, sentimo-nos inclinado a temer para o nosso caro
Brasil o grande mal, a desgraça ingente que o atribulado Papa Leão XIII teme
pela sua desditosa Itália. Parece incrível, e entretanto é uma verdade que já
se não pode mais ocultar: somos chegados
a este ponto, que no Brasil, como na Itália, muito há que temer a perda total
da fé (Encíclica de 15 de outubro de 1890).
No meio dessa aluvião
de erros, cada qual mais perverso, que alaga a sociedade brasileira, que há de
ser das vossas almas, se vos não mantiverdes firmes na arca santa das crenças
católicas?
Temeroso pelas contas que perante o Pastor supremo havemos de dar de cada um de
vós, sentimos a necessidade de dirigir ao Senhor esta divina prece, que saiu
mais do coração que dos lábios de Jesus: Pater
sancte, serva eos in nomine tuo, quos dedisti mihi[5] (João, c. XVII, v. 11).
Oh! Praza ao céu,
veneráveis irmãos e filhos muito amados, que tenhamos a dita de vos ver crescer
continuamente em Cristo, nosso chefe, em toda sorte de boas obras: crescamus in illo per omnia qui est caput Christus[6] (Efe., c.
IV, v. 15). Este é o caminho do verdadeiro progresso, caminho todo iluminado
por onde deve andar o cristão que aspira
à luz, que aspira ao bem, que aspira ao céu. Contemplando os vossos
contínuos progressos por esse caminho da eterna salvação, a nossa alma
reconhecida magnificará ao Senhor, e, na retribuição do futuro juízo, quando
houvermos de comparecer perante o justo juiz do nosso episcopado, ali sereis,
pelas vossas boas obras, a nossa alegria e a nossa coroa. Oxalá tenhamos então
a inefável consolação de lhe podermos dizer: “Vê, Senhor: Conservei os que me deste, e, graças a Ti, nenhum deles se
perdeu: Quos dedisti mihi custodivi, et nemo ex his perivit[7]”
(João, c. XVII, v. 12).
“E o Deus da paz que, pelo sangue do eterno testamento,
ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo Senhor nosso, grande pastor de ovelhas,
vos torne idôneos em todo o bem para que façais a sua vontade, operando ele
mesmo em vós o que lhe seja agradável por Jesus Cristo, ao qual é dada glória
pelos séculos dos séculos. Amém”. (Heb., c. XIII, vs. 20 e 21).
Veneráveis irmãos e
filhos muito amados, cheio de confiança vos deixamos sob a guarda do coração
imaculado de Maria Santíssima, a quem desde a mais tenra infância amamos com
afeto filial e a quem ora tomamos para nossa especialíssima protetora e guia
durante os dias do episcopado, pedindo-lhe com repetidas instâncias se digne de
preparar-nos sempre um caminho livre de perigos, um caminho seguro, por onde
vos possamos conduzir à eterna bem-aventurança: Iter para tutum[8].
(Breviário Romano, hino Ave, maris stella).
E a benção de Deus
onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, desça sobre todos vós e convosco
permaneça para sempre: Benedictio Dei
omnnipotentis, Patris, et Filii, et Spiritus Sancti, descendat super vos et maneat
semper!
Dada e passada nesta
cidade do Rio de Janeiro, sob o nosso sinal e selo das nossas armas, aos 15 de outubro de 1891, festa da seráfica Reformadora do Carmelo, a
gloriosa Santa Teresa de Jesus.
† JOÃO, Bispo de Olinda.
[1] O
homem animal não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus.
[2] O
temor do Senhor é o princípio da sabedoria.
[3] Como
a pequeninos em Cristo, nutri-vos com leite, (e) não com alimento sólido; porque não podeis (digeri-lo).
[4] E
disse: Na verdade vos digo que,
se vos não converterdes e vos não tornardes como meninos, não entrareis no
reino dos céus.
[5] Pai
santo, guarda em teu nome aqueles que me deste.
[6]
Cresçamos em todas as coisas naquele que é a cabeça, o Cristo.
[7]
Conservei os que me deste; e nenhum deles se perdeu...
[8]
Põe-nos em via segura.
Nasceu em Barcelona,
Espanha, em 10 de outubro de 1843, e faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de
janeiro em 1897. Oriundo de família francesa, veio muito jovem para o Brasil,
passando a residir em Campos (RJ), onde fez seus estudos básicos. Em 1864,
matriculou-se no Seminário Episcopal de S. José. Em agosto de 1864 recebeu as
ordens sacerdotais. Os estudos de Filosofia foram completados no Colégio de S.
Luís, Itu (SP). No Seminário, lecionou e foi, ao mesmo tempo, o capelão das
freiras de Santa Teresa do Rio de Janeiro. Por ocasião da Questão Religiosa,
colocou-se inteiramente a favor do Syllabus,
ao lado da Cúria Romana. Viajou a Roma, tendo sido nomeado, pelo Papa,
monsenhor do Solio Pontifício. Bispo titular de Guerra (1890). Bispo de Olinda
desde 1892. No ano seguinte, com a elevação do Bispado da Capital Federal para
Arcebispado, assumiu a mais alta direção eclesiástica do Rio de Janeiro.
Colaborou em O Apóstolo, Nova Era e Brasil, órgão constitucional. Em 1891, foi eleito
sócio correspondente do IHGB. Passou a honorário em 1895.
Publicou:
- As Delícias da Piedade: tratado sobre o culto da Santíssima Virgem,
seguido de conferência sobre o culto dos Santos pelo padre Ventura de Raulica
(tradução do francês), RJ: Tip. de O Apóstolo, 1867;
– A Igreja Católica e o Sr. Bispo Diocesano e o Maçonismo, RJ, 1872.
– Questão “Ite, missa est’, RJ, 1884.
– Criação
de uma Faculdade de Ciências Religiosas: sua organização e plano de estudo,
RJ, 1884.
– A obra da Santa Infância no Brasil: relatórios ... (1886/87), RJ,
1887.
– A Rosa de Ouro, RJ, 1888.
– Da Igreja e de Sua Divina Missão: carta pastoral, RJ, 1891.
– Do Chefe da Igreja e sua ação social: carta pastoral, Recife, 1894.
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