sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Nota da Internunciatura Apostólica ao Governo Imperial sobre a condenação de Dom Vital

Internunciatura apostólica.
Petrópolis 22 de fevereiro de 1874.

Todas as folhas da capital, sem excluir o Diário Oficial, estão cheias da notícia inteiramente extraordinária do comparecimento repetido e humilhante de um Prelado da Santa Igreja Monsenhor Fr. Vital Maria Gonçalves d'Oliveira, Bispo de Pernambuco, perante o Supremo Tribunal de Justiça, na qualidade de réu, com manifesta violação da imunidade eclesiástica; e todas as folhas igualmente referem o gravíssimo acontecimento, até hoje desconhecido neste religioso Império, da condenação de um Sucessor dos Apóstolos à pena de prisão com trabalhos por quatro anos. Os mesmos periódicos, pois, conforme as suas idas religiosas e políticas, fazem seus comentários assaz extensos e lhes acrescentam uns a esperança e outros o temor de verem renovado este triste espetáculo na pessoa do sr. Bispo do Pará. O abaixo assinado, longe de discutir esta assaz penosa e desgraçada questão, sobre a qual apareceram por todos os lados e em todos os sentidos razões mui valiosas e doutas para elucidá-la, limita-se em querer conservar salvos e ilesos os direitos da Igreja e da Santa Sé, e particularmente os da violada imunidade eclesiástica. A Igreja de Jesus Cristo é sempre mãe amorosa para com seus filhos, e sempre está pronta a estreitar de novo em seus braços aos extraviados, mediante o perdão; mas não se descuida de olhar para a justiça corno o seu primeiro dever. Por isso não quis que os Bispos ficassem impunes, quando, por efeito da fraqueza humana, se tornassem realmente culpados, e reconheceu a necessidade de submetê-los a um tribunal de muito mais alta categoria eclesiástica, em que o seu sagrado caráter não ficasse exposto ao ludibrio, ao desprezo e o aviltamento. Interessa isto altamente não só à sociedade religiosa, mas também à civil, visto que, aviltado e desautorado o poder da autoridade eclesiástica, não deixará o outro de experimentar todo o dano. A Igreja, pois, desde os tempos mais remotos declarou os Bispos isentos de toda jurisdição dos tribunais leigos, e o Concilio Ecumênico de Trento completou esta disposição designando como Juiz dos Bispos nos delitos gravíssimos ao Chefe Supremo da Igreja, devendo a sentença, nos casos graves eu menores; ser proferida por outros Bispos reunidos em Concilio provincial. Esta providencia do Concilio Tridentino, salutar em si, foi tão bem compreendida e apreciada por todos quantos querem que ao amor de nossa Santa Religião se junte a felicidade da pátria, que houve a consolação de ser ela adotada por quase todas as nações católicas. Merecem lagar distinto e os maiores louvores os monarcas lusitanos que a adotaram, e observaram sempre como lei, a transmitiram intacta a este rico império ao recuperar ele gloriosamente sua independência. Provam isto da maneira mais convincente as muitas suplicas dirigidas especialmente por Suas Majestades Filipe II e D. José I aos Sumos Pontífices Gregório XIII e Clemente XIII, pedindo isenções especiais que lhes foram concedidas em relação á respeitada lei da imunidade eclesiástica. Se estes exemplos tão luminosos e repetidos, por equivoco, creio eu, ou por outros motivos, se não renovaram nesta tão grave emergência dos Excelentíssimos e Reverendíssimos Bispos de Olinda e do Pará, foi porque não houve o cuidado de consultar o Concilio Ecumênico Tridentino, guia certo e seguro, adotando-se em seu Iugar, por não menor equivoco, a disposição da lei nº 609 de Agosto de 1851, que não obstante declara os Bispos isentos nas causas puramente espirituais. E ao passo que todos reconhecem ser justo que os militares tenham por juiz um conselho de guerra, e os altos magistrados a mais elevada magistratura, só os Bispos são privados de um direito de tantos séculos. De modo que se permitiu que o Prelado de Pernambuco fosse responsabilizado por crime inafiançável pelo Supremo Tribunal de Justiça, que viesse preso de sua diocese a esta capital para assistir duas vezes no banco dos réus às sessões, e ouvir a irrevogável sentença de quatro anos de prisão com trabalho, que os jornais reterem e todos indistintamente leram com sobressalto. Igual sorte espera dentro de pouco tempo ao distinto Bispo do Pará, cujo processo já se acha em andamento. Em presença destes fatos dolorosíssimos e da manifesta violação da imunidade eclesiástica, V. Exa. compreenderá que o abaixo assinado, pela estrita obrigação de seu cargo, e como representante da Santa Sé junto a esta imperial corte, se acha na absoluta necessidade de protestar, como de fato formalmente protesta, contra toda e qualquer violação dos direitos e leis da Igreja, praticada nesta questão dos Bispos, especialmente em prejuízo da imunidade eclesiástica e de todas as suas consequências sucessivas; para que sempre e em todo tempo fiquem salvos, intactos, integras e ilesos os imprescritíveis direitos da Igreja e da Santa Sé.
O abaixo assinado tem a honra de apresentar a S. Exa. os protestos da sua mais perfeita e obsequiosa estima e de sua alta consideração.
A Sua Exa. o sr. Visconde de Caravelas.
Pius P. P. IX

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