Petrópolis 22 de fevereiro de 1874.
Todas as folhas da
capital, sem excluir o Diário Oficial, estão cheias da notícia inteiramente
extraordinária do comparecimento repetido e humilhante de um Prelado da Santa
Igreja Monsenhor Fr. Vital Maria Gonçalves d'Oliveira, Bispo de Pernambuco,
perante o Supremo Tribunal de Justiça, na qualidade de réu, com manifesta
violação da imunidade eclesiástica; e todas as folhas igualmente referem o
gravíssimo acontecimento, até hoje desconhecido neste religioso Império, da
condenação de um Sucessor dos Apóstolos à pena de prisão com trabalhos por
quatro anos. Os mesmos periódicos, pois, conforme as suas idas religiosas e
políticas, fazem seus comentários assaz extensos e lhes acrescentam uns a
esperança e outros o temor de verem renovado este triste espetáculo na pessoa
do sr. Bispo do Pará. O abaixo assinado, longe de discutir esta assaz penosa e
desgraçada questão, sobre a qual apareceram por todos os lados e em todos os
sentidos razões mui valiosas e doutas para elucidá-la, limita-se em querer
conservar salvos e ilesos os direitos da Igreja e da Santa Sé, e
particularmente os da violada imunidade eclesiástica. A Igreja de Jesus Cristo é sempre
mãe amorosa para com seus filhos, e sempre está pronta a estreitar de novo em
seus braços aos extraviados, mediante o perdão; mas não se descuida de olhar
para a justiça corno o seu primeiro dever. Por isso não quis que os
Bispos ficassem impunes, quando, por efeito da fraqueza humana, se tornassem
realmente culpados, e reconheceu a necessidade de submetê-los a um tribunal de
muito mais alta categoria eclesiástica, em que o seu sagrado caráter não
ficasse exposto ao ludibrio, ao desprezo e o aviltamento. Interessa isto
altamente não só à sociedade religiosa, mas também à civil, visto que, aviltado
e desautorado o poder da autoridade eclesiástica, não deixará o outro de experimentar
todo o dano. A Igreja, pois, desde os
tempos mais remotos declarou os Bispos isentos de toda jurisdição dos tribunais
leigos, e o Concilio Ecumênico de Trento completou esta disposição
designando como Juiz dos Bispos nos delitos gravíssimos ao Chefe Supremo da
Igreja, devendo a sentença, nos casos graves eu menores; ser proferida por
outros Bispos reunidos em Concilio provincial. Esta providencia do Concilio
Tridentino, salutar em si, foi tão bem compreendida e apreciada por todos
quantos querem que ao amor de nossa Santa Religião se junte a felicidade da
pátria, que houve a consolação de ser ela adotada por quase todas as nações
católicas. Merecem lagar distinto e os maiores louvores os monarcas lusitanos
que a adotaram, e observaram sempre como lei, a transmitiram intacta a este
rico império ao recuperar ele gloriosamente sua independência. Provam isto da
maneira mais convincente as muitas suplicas dirigidas especialmente por Suas
Majestades Filipe II e D. José I aos Sumos Pontífices Gregório XIII e Clemente
XIII, pedindo isenções especiais que lhes foram concedidas em relação á
respeitada lei da imunidade eclesiástica. Se estes exemplos tão luminosos e
repetidos, por equivoco, creio eu, ou por outros motivos, se não renovaram
nesta tão grave emergência dos Excelentíssimos e Reverendíssimos Bispos de
Olinda e do Pará, foi porque não houve o cuidado de consultar o Concilio
Ecumênico Tridentino, guia certo e seguro, adotando-se em seu Iugar, por não
menor equivoco, a disposição da lei nº
609 de Agosto de 1851, que não obstante declara os Bispos isentos nas causas puramente espirituais. E ao passo que
todos reconhecem ser justo que os militares tenham por juiz um conselho de
guerra, e os altos magistrados a mais elevada magistratura, só os Bispos são
privados de um direito de tantos séculos. De modo que se permitiu que o Prelado de Pernambuco
fosse responsabilizado por crime inafiançável pelo Supremo Tribunal de Justiça,
que viesse preso de sua diocese a esta capital para assistir duas vezes no banco
dos réus às sessões, e ouvir a irrevogável sentença de quatro anos de prisão
com trabalho, que os jornais reterem e todos indistintamente leram com
sobressalto. Igual sorte espera dentro de pouco tempo ao distinto Bispo do
Pará, cujo processo já se acha em andamento. Em presença destes
fatos dolorosíssimos e da manifesta violação da imunidade eclesiástica, V. Exa.
compreenderá que o abaixo assinado, pela estrita obrigação de seu cargo, e como
representante da Santa Sé junto a esta imperial corte, se acha na absoluta
necessidade de protestar, como de fato formalmente protesta, contra toda e
qualquer violação dos direitos e leis da Igreja, praticada nesta questão dos
Bispos, especialmente em prejuízo da imunidade eclesiástica e de todas as suas consequências
sucessivas; para que sempre e em todo tempo fiquem salvos, intactos, integras e
ilesos os imprescritíveis direitos da Igreja e da Santa Sé.
O abaixo assinado tem
a honra de apresentar a S. Exa. os protestos da sua mais perfeita e obsequiosa
estima e de sua alta consideração.
A Sua Exa. o sr.
Visconde de Caravelas.
Pius P. P. IX
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