Pe. Donato Rodrigues, O.S.A
(Jornal “A Cruz”, 1937)
Também há um
liberalismo chamado católico, tão pernicioso como o liberalismo absoluto e mais
sagaz do que o liberalismo moderado. Poderia denominar-se melhor liberalismo
prático esse liberalismo católico.
Em teoria admite a
dependência do Estado à Igreja; mas na prática prefere a separação com a
independência mutua desses dois poderes. Nada de sujeitar-se uma à outra duas
sociedades igualmente poderosas e perfeitas, diz ele. Que cada uma delas
conserve bem o seu lugar, para não haver complicações nos assuntos civis e
religiosos. Não exige, como princípio, a separação da Igreja e do Estado, senão
mais bem como medida de prudência, prudência que ele entende a seu modo.
A formula deste
liberalismo, lobo sorrateiro vestido com pele de mansa ovelhinha, reza assim: a
Igreja livre dentro do Estado livre. Já vai mostrando o dente carnívoro o que
parecia cordeiro inocente...
Há católicos liberais
que apregoam por esses mundos afora estas e outras doutrinas: a Igreja já é
intolerante demais e ciosa de si mesma; não pode combinar com o Estado de forma
nenhuma por causa de sua intransigência; quer levar tudo na linha.
Não poderia afrouxar
um pouco ao menos em algumas coisas? Não seria isso um bem para todos? Não
poderia ela aceitar as liberdades modernas? Outras confissões religiosas não
procedem assim e nelas tudo vai melhor; elas e o Estado se entendem à
maravilha; entre eles não há quase nunca mal-entendidos, nem desavenças. Por
que não poderia a Igreja proceder também assim? Ela, possuindo como possui a
verdade em tudo e por tudo, não poderia triunfar sempre do erro, no caso de que
o Estado cometesse algum abuso? Não compreendo assim...
É este liberalismo o deus das duas
caras; o altar das duas velas acesas, uma a Deus e outra ao demônio; é a
doutrina defensora do duplo...
Poucas doutrinas terão causado no seio da
Igreja tantos e tão grandes males, quantos já causou e ainda causará este
liberalismo, que, com falsa humildade, chama-se católico...
Não há para o erro
maior castigo e refutação do que descobrir a sua origem e deixá-lo bem patente
e descoberto, para que todo o mundo veja claramente o que pensa e o que quer. É
o que desejávamos fazer nos três artigos já publicados sobre o liberalismo. A mentira, a falsidade e a dobres, uma vez
bem descobertas, são castelos no ar, que ruem por si mesmos, sem mais esforços.
Penso que não haveria
no mundo tantas vitórias momentâneas do erro contra a verdade, senão houvesse
tanta hipocrisia e tanta falta de verdade nas palavras.
Assim descoberto o
liberalismo católico, vejamos o que dele fica em face da luz que projetam os
ensinamentos imortais da Igreja.
Primeiramente, a
subordinação ou dependência da ordem natural à ordem sobrenatural, do Estado à
Igreja, do corpo à alma, são verdades tão claras como um axioma matemático;
verdades práticas cujos deveres regulam em tudo a atividade humana e cujas
obrigações o homem não pode deixar de cumprir, sob pena de ser um traidor à
verdade, à Deus e à sua própria consciência. O dever antes de mais nada.
Em segundo lugar, é
necessário respeitar em tudo a ordem, segundo a sentença profundíssima de Santo
Agostinho: serva ordinem. A mesma
sabedoria de Deus estabeleceu essa lei de subordinação do mundo natural ao
mundo sobrenatural, do Estado à Igreja etc., e essa lei ou foi dada para ser
cumprida, ou então é inútil e a sabedoria divina faliu completamente em este
caso ao promulgar dita lei. Que pode responder a este dilema formidável o
liberalismo católico? Esperamos resposta digna, clara, terminante...
A Igreja, ao condenar e combater com
todas as forças o liberalismo, seja ele absoluto, moderado ou aparentemente
católico, converte-se por isso na maior benfeitora da humanidade e na melhor
protetora dos governos e dos indivíduos, do progresso e da civilização.
O liberalismo foi
condenado por Pio IX no famosa Syllabus e por Leão XIII na Encíclica Libertas,
não menos célebre.
Só isto bastaria para
que os católicos de verdade rejeitassem com todas as veras das suas almas o
liberalismo destrutor, causa primária do hodierno mal-estar.
São muito próprias
para terminar este artigozinho as palavras de um sábio moderno, que a seguir
copiamos fielmente e que confirmam bem tudo quanto do liberalismo temos
escrito.
“Este erro - fala do liberalismo católico - tem dado origem a uma moral
muito cômoda: a do ‘homem duplo’.
Em seu lar, este homem duplo, pretende ser cristão; mas em público
ignora se existe Cristo. Como paroquiano cumprimenta cortesmente ao seu
vigário; como conselheiro municipal expulsa das escolas os religiosos e o
Crucifixo. Na sexta--feira a sua esposa serve manjares de vigília; em casa de
um amigo come carne. Cumpre o preceito pascal; mas segue comprando o mau
jornal. Padrinho reza direitinho o Credo; eleitor vota por um “franco-maçom” ou
por um homem sem religião, etc., etc.
O homem duplo sempre existiu; o que é novo é a doutrina que
pretende justifica-lo. Antes se lhe desprezava como a um pusilânime e
hipócrita; hoje é ponderado como um homem hábil. Tais são os frutos do
liberalismo.
Mas o homem duplo não é cristão, nem sequer honrado. O homem
honrado não tem mais do que uma palavra, o cristão não tem mais do que uma consciência.
O cristão em seu lar,
é cristão; em público, é cristão; professor, é cristão; conselheiro municipal,
é cristão; deputado, é cristão; advogado, médico, secretário, etc., é cristão. Nunca
chamará estrangeiro ao Papa, Vigário de Jesus Cristo; nunca aceitará um duelo;
nunca louvará o divórcio...
Jamais os seus atos e
as suas palavras estarão em contradição com o Evangelho e, se comete algum
pecado, se humilhará e o confessará”.
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