domingo, 9 de agosto de 2020

O liberalismo católico (Pe. Donato Rodrigues, O.S.A – 1937)

 Pe. Donato Rodrigues, O.S.A

 (Jornal “A Cruz”, 1937)

 

Também há um liberalismo chamado católico, tão pernicioso como o liberalismo absoluto e mais sagaz do que o liberalismo moderado. Poderia denominar-se melhor liberalismo prático esse liberalismo católico.

Em teoria admite a dependência do Estado à Igreja; mas na prática prefere a separação com a independência mutua desses dois poderes. Nada de sujeitar-se uma à outra duas sociedades igualmente poderosas e perfeitas, diz ele. Que cada uma delas conserve bem o seu lugar, para não haver complicações nos assuntos civis e religiosos. Não exige, como princípio, a separação da Igreja e do Estado, senão mais bem como medida de prudência, prudência que ele entende a seu modo.

A formula deste liberalismo, lobo sorrateiro vestido com pele de mansa ovelhinha, reza assim: a Igreja livre dentro do Estado livre. Já vai mostrando o dente carnívoro o que parecia cordeiro inocente...

Há católicos liberais que apregoam por esses mundos afora estas e outras doutrinas: a Igreja já é intolerante demais e ciosa de si mesma; não pode combinar com o Estado de forma nenhuma por causa de sua intransigência; quer levar tudo na linha.

Não poderia afrouxar um pouco ao menos em algumas coisas? Não seria isso um bem para todos? Não poderia ela aceitar as liberdades modernas? Outras confissões religiosas não procedem assim e nelas tudo vai melhor; elas e o Estado se entendem à maravilha; entre eles não há quase nunca mal-entendidos, nem desavenças. Por que não poderia a Igreja proceder também assim? Ela, possuindo como possui a verdade em tudo e por tudo, não poderia triunfar sempre do erro, no caso de que o Estado cometesse algum abuso? Não compreendo assim...

É este liberalismo o deus das duas caras; o altar das duas velas acesas, uma a Deus e outra ao demônio; é a doutrina defensora do duplo...

Poucas doutrinas terão causado no seio da Igreja tantos e tão grandes males, quantos já causou e ainda causará este liberalismo, que, com falsa humildade, chama-se católico...

Não há para o erro maior castigo e refutação do que descobrir a sua origem e deixá-lo bem patente e descoberto, para que todo o mundo veja claramente o que pensa e o que quer. É o que desejávamos fazer nos três artigos já publicados sobre o liberalismo. A mentira, a falsidade e a dobres, uma vez bem descobertas, são castelos no ar, que ruem por si mesmos, sem mais esforços.

Penso que não haveria no mundo tantas vitórias momentâneas do erro contra a verdade, senão houvesse tanta hipocrisia e tanta falta de verdade nas palavras.

Assim descoberto o liberalismo católico, vejamos o que dele fica em face da luz que projetam os ensinamentos imortais da Igreja.

Primeiramente, a subordinação ou dependência da ordem natural à ordem sobrenatural, do Estado à Igreja, do corpo à alma, são verdades tão claras como um axioma matemático; verdades práticas cujos deveres regulam em tudo a atividade humana e cujas obrigações o homem não pode deixar de cumprir, sob pena de ser um traidor à verdade, à Deus e à sua própria consciência. O dever antes de mais nada.

Em segundo lugar, é necessário respeitar em tudo a ordem, segundo a sentença profundíssima de Santo Agostinho: serva ordinem. A mesma sabedoria de Deus estabeleceu essa lei de subordinação do mundo natural ao mundo sobrenatural, do Estado à Igreja etc., e essa lei ou foi dada para ser cumprida, ou então é inútil e a sabedoria divina faliu completamente em este caso ao promulgar dita lei. Que pode responder a este dilema formidável o liberalismo católico? Esperamos resposta digna, clara, terminante...

A Igreja, ao condenar e combater com todas as forças o liberalismo, seja ele absoluto, moderado ou aparentemente católico, converte-se por isso na maior benfeitora da humanidade e na melhor protetora dos governos e dos indivíduos, do progresso e da civilização.

O liberalismo foi condenado por Pio IX no famosa Syllabus e por Leão XIII na Encíclica Libertas, não menos célebre.

Só isto bastaria para que os católicos de verdade rejeitassem com todas as veras das suas almas o liberalismo destrutor, causa primária do hodierno mal-estar.

São muito próprias para terminar este artigozinho as palavras de um sábio moderno, que a seguir copiamos fielmente e que confirmam bem tudo quanto do liberalismo temos escrito.

Este erro - fala do liberalismo católico - tem dado origem a uma moral muito cômoda: a do ‘homem duplo’.

Em seu lar, este homem duplo, pretende ser cristão; mas em público ignora se existe Cristo. Como paroquiano cumprimenta cortesmente ao seu vigário; como conselheiro municipal expulsa das escolas os religiosos e o Crucifixo. Na sexta--feira a sua esposa serve manjares de vigília; em casa de um amigo come carne. Cumpre o preceito pascal; mas segue comprando o mau jornal. Padrinho reza direitinho o Credo; eleitor vota por um “franco-maçom” ou por um homem sem religião, etc., etc.

O homem duplo sempre existiu; o que é novo é a doutrina que pretende justifica-lo. Antes se lhe desprezava como a um pusilânime e hipócrita; hoje é ponderado como um homem hábil. Tais são os frutos do liberalismo.

Mas o homem duplo não é cristão, nem sequer honrado. O homem honrado não tem mais do que uma palavra, o cristão não tem mais do que uma consciência.

O cristão em seu lar, é cristão; em público, é cristão; professor, é cristão; conselheiro municipal, é cristão; deputado, é cristão; advogado, médico, secretário, etc., é cristão. Nunca chamará estrangeiro ao Papa, Vigário de Jesus Cristo; nunca aceitará um duelo; nunca louvará o divórcio...

Jamais os seus atos e as suas palavras estarão em contradição com o Evangelho e, se comete algum pecado, se humilhará e o confessará”.

 Meditem bem essas palavras de ouro os católicos liberais dos nossos tempos, que contém altíssimas verdades da mais pura e sã filosofia...

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