Ego flos
campi (Cant., II, 1)
Tão frisantes são as analogias entre a flor e o coração que não será
difícil a qualquer o descobri-las.
Ainda fechada em botão, escondendo em si mesma toda a sua graça, a flor
afeta a forma de um coração, é a imagem dele: vede o botão da rosa!
Bem como a flor, antes que se entreabra ao contato da atmosfera, virgem
ainda e tanto mais rico, pois não fez uso da vida nem tampouco foi usado por
ela, o coração possui todos os seus tesouros.
À semelhança da flor o coração contém dentro de si mesmo, melhor do que
no exterior se pode conhecer, cores suas, seu perfume a pureza de suas linhas,
seja que se desenhem harmoniosamente em órbitas sobrepostas, seja que zombando
dos cálculos do homem, elas lhe escapem às observações pela infinidade dos seus
contornos e formas.
Todavia, assim como a flor, o coração deve abrir-se um dia para cumprir
o destino que lhe fora demarcado; por isso que se sempre ficasse fechado a
beleza, os perfumes, a fecundidade dele se converteriam em venenos contagiosos
e mortíferos. Não seria então o coração
o berço da vida, mas bem ao contrário um triste e sombrio túmulo onde a vida se
extinguiria antes mesmo de se manifestar. Infeliz, desgraçado daquele que assim
há fechado o coração, ou que ao ponto de abrir-se-lhe à luz, e ao amor, o obriga
a recolher-se em si para que pereça!
“As flores desabrocharão” (1), eis aí a lei.
Como flor o coração é o meio entre o ser e o fruto dele, meio que tem
este misterioso destino de ser para ambos e para cada um deles. É a beleza da
haste e o berço do fruto. Serve de laço a um para que possa chegar ao outro, e
do mesmo modo que o tronco aspira a manifestar-se em flor, parece que ao fruto
pesa-lhe de não ser já flor, e apressa-se em o ser, conservando até que o seja,
um não sei que de afinidade secreta com a flor que o produziu.
À semelhança da flor o coração tem por lei suprema da sua vida o
sacrifício ou a dadiva. É mister que a flor de o seu fruto, que o coração
produza as suas obras! E assim está escrito: “As minhas flores são frutos de honra e de pureza” (2). Se o
coração não perece, assim como a flor, é que mais próximo de Deus e mais semelhante
a Deus, está no ser que o anima, e conserva deste modo em si o fruto santo das
obras que produz.
Ó meu Jesus! Se ao escrever estas linhas não fosse de vós, e somente de
vós que o meu pobre coração se entretém, por sem dúvida que tudo isto seria uma
puerilidade vã; mas, ai! Ó amor, ó alegria da minha alma! Aqui no mundo eu não
posso ver-vos mais que sob os símbolos imperfeitos que o mesmo mundo apresenta.
Ora a quem vos compararei eu senão à flor, ó Coração de Jesus? Lírio dos
vales, flor dos campos (3), vós nascestes sem a cultura das mãos dos homens, e
os perfumes vossos tem embalsamado a vossa Igreja (4).
Vinde pois, almas fiéis, a flor desabrochou o seu cálix e espargiu o seu
suave cheiro (5): vinde, corramos pelos traços do bem amado ao cheiro dos seus
perfumes (6).
Flor mística, sois vós, que tornando-nos à imagem vossa, humildes e
puras flores (7), ao mesmo passo nos comunicais o poder de produzirmos as
flores nossas. Pois que as nossas obras, disse-o um grande doutor, são
verdadeiramente flores, a felicidade das quais está no fruto (8).
A felicidade aqui na
terra encontra-a o homem, bebe-a no vosso coração. Porque, semelhante à flor, o
vosso coração, ó Jesus, é um cálix. Tendo recebido o orvalho do céu
preparou-nos uma bebida de imortalidade.
Contendes, ó Coração
amabilíssimo, um mel mais puro e mais doce do que o das flores mais doces e
mais puras; a alma que se alimenta dele encontra a vida, uma doçura e força que
a robustece no meio dos combates pressagiando-lhe a vitória!
(1) Flores apparuerunt (cant. II, 12).
(2) Flores mei fructus honoris et honestatis (Eccl.,
XXIV, 23).
(3) Lilium convallium, flos campi (Cant.,
II, 1).
(4) Flos Mariae Christus, qui honum adorem fidei
totó sparsurus orbe, virginal ex útero germinavit. S. Ambr., lib. de Spirtu
Sancto, c., V.
(5) Dedit odorem suum (Cant., I, 2)
(6) Curremus in odorem unguenntorum tuorum
(Cant., I, 3)
(7) Floret Christus in nobis (S. Ambr., lib.
I, in Luc., c. I)
(8) Opera mostra in quantum ordinantur ad finem
vitae aeternae, sic magis habent rationem florum. Ss. Thom., Sum. theol., I,
1, 9, LXX.
***
* Jornal
A Boa Nova, 1 de junho de 1872, n. 25, p. 4.
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