Padre João Vieira
Neves Castro da Cruz
Novembro de 1877
Um pai, que possuía
abundância de bens, tinha três filhos. Em certo dia falou-lhes do modo
seguinte:
“Meus filhos, tudo
quanto possuo há de ser para um de vós, e será unicamente para aquele que
praticar a ação mais nobre e generosa. Procurai, pois, obrar de modo a satisfazer
esta condição da qual depende a vossa felicidade. Ide viajar, cada um para o
seu lado, e no fim de um ano voltai a esta casa. Aquele que melhor desempenhar
o que vos proponho, gozará dos bens de que sou senhor. Quer em minha vida fazer
esta disposição, designando o meu único herdeiro, afim de prevenir pleitos no
futuro. Ido, portanto, com a benção de Deus e com a minha. O meu coração me diz
que de hoje a um ano terei o prazer de vos abraçar a todos”.
Depois de escutarem o
pai com profundo respeito e atenção, os filhos partiram da casa paterna,
dirigindo-se cada um para o seu lado. No fim de um ano voltaram à casa de seu
pai. Este, vendo-os cheios de vida e de saúde, depois de os abraçar,
congratulou-se pela sua feliz vinda, e passou a inquiri-los sobre o seu
procedimento no país onde cada ura deles se linha demorado. Chamou
primeiramente o mais velho que disse:
“Meu
pai, eu estive em uma cidade onde em pouco tempo adquiri a estima de todas as
pessoas pela minha probidade. Constituíram-me depositário de uma grande soma de
dinheiro, sem documento que provasse a dívida. No fim do prazo marcado
entreguei fielmente o deposito ao seu dono. Não fiz, por tanto uma ação
generosa?”
Respondeu o pai:
“Se obrasses o contrário,
serias um ladrão. Fizeste o teu dever, e por isso não mereces prêmio. A tua ação
não excede os limites da honradez; qualquer pessoa de bem faria o mesmo”.
Chamou depois o
segundo filho que disse:
“Próximo da casa que
eu habitava ateou-se um grande incêndio por alta noite. Acordei aos gritos dos
meus vizinhos que quase estavam a ser devorados das chamas. A custo se salvaram,
ficando uma criancinha no berço, e já o fogo ia ganhando terreno para junto dele.
Imenso povo acudiu ao sinistro; mas só eu tive coragem para romper entre as
chamas: peguei do berço que trouxe para fora em meus braços, e assim livrei da
morte a criancinha. Por este ato heroico fui aplaudido por toda a gente que o
presenciou, e os pais do menino que eram meus amigos, me deram grandes
recompensas”.
Respondeu o pai:
“Na verdade, a tua ação
foi sublime; mas ainda assim cumpriste o dever de bom cidadão, do bom vizinho e
do bom amigo. Dando-te Deus a coragem e os meios de valer a um teu semelhante,
se desprezasses pô-los em prática para o salvar, cometerias uma falta de que te
acusaria a consciência. A tua ação foi boa, mas muito natural; e parece que o
principal motivo foi a amizade aos vizinhos. No entanto, é muito digna de
louvor, o vejamos agora o que fez o teu ultimo irmão”.
Chamou, finalmente, o
terceiro filho que era o mais novo, e que esteve calado, retirado um pouco, enquanto
o pai inquiriu os seus irmãos. Aproximou-se e disse:
“Meu pai, eu estive em
uma terra onde abri um estabelecimento de negócio; a minha loja começou logo a
ser muito concorrida, tal era a inteireza com que a dirigia e a excelência da
fazenda que nela vendia. Havia, porém, ali um homem que tinha o mesmo negócio,
e, vendo que eu me avantajava a ele, votou-me um ódio irreconciliável,
procurando desacreditar-me por todos os meios, e até tirar-me a vida. Não só me
esperou muitas vezes para me assassinar, mas também assalariou homens para esse
fim. Tratei sempre de evitar maus encontros, prosseguindo pacificamente no meu negócio;
e felizmente escapei às ciladas daquele perverso. Ora, ele costumava
embriagar-se, e um dia que estava muito bêbado, caiu junto de um grande abismo
onde ficou dormindo. Por acaso ali o encontrei. Eu podia facilmente mata-lo,
livrando-me dos perigos em que vivia. Podia seguir o meu caminho, abandonando-o
e o resultado era ele cair na profundidade. No entanto, desviei-o do precipício;
o homem acordou, e, conhecendo o perigo iminente e certo de que eu o livrara,
abraçou-me, e desde então ficamos amigos”.
Acabou de falar, e o
pai, abrindo os braços a seu filho, com lagrimas de alegria, respondeu:
“Vem cá, meu filho,
foste tu o que fizeste a ação mais sublime e generosa. Amaste sempre o teu
inimigo, e por fim o livraste da morte em que nenhuma culpa tinhas. Podias, não
digo matá-lo, mas continuar a tua jornada, desviando do teu fidagal inimigo.
Todavia, livraste-o da morte. Eis o maior heroísmo que praticaste. És tu o
herdeiro dos meus bens”.
***
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