domingo, 23 de agosto de 2020

Conto moral


Padre João Vieira Neves Castro da Cruz
Novembro de 1877


Um pai, que possuía abundância de bens, tinha três filhos. Em certo dia falou-lhes do modo seguinte:

“Meus filhos, tudo quanto possuo há de ser para um de vós, e será unicamente para aquele que praticar a ação mais nobre e generosa. Procurai, pois, obrar de modo a satisfazer esta condição da qual depende a vossa felicidade. Ide viajar, cada um para o seu lado, e no fim de um ano voltai a esta casa. Aquele que melhor desempenhar o que vos proponho, gozará dos bens de que sou senhor. Quer em minha vida fazer esta disposição, designando o meu único herdeiro, afim de prevenir pleitos no futuro. Ido, portanto, com a benção de Deus e com a minha. O meu coração me diz que de hoje a um ano terei o prazer de vos abraçar a todos”.

Depois de escutarem o pai com profundo respeito e atenção, os filhos partiram da casa paterna, dirigindo-se cada um para o seu lado. No fim de um ano voltaram à casa de seu pai. Este, vendo-os cheios de vida e de saúde, depois de os abraçar, congratulou-se pela sua feliz vinda, e passou a inquiri-los sobre o seu procedimento no país onde cada ura deles se linha demorado. Chamou primeiramente o mais velho que disse:

“Meu pai, eu estive em uma cidade onde em pouco tempo adquiri a estima de todas as pessoas pela minha probidade. Constituíram-me depositário de uma grande soma de dinheiro, sem documento que provasse a dívida. No fim do prazo marcado entreguei fielmente o deposito ao seu dono. Não fiz, por tanto uma ação generosa?”

Respondeu o pai:

“Se obrasses o contrário, serias um ladrão. Fizeste o teu dever, e por isso não mereces prêmio. A tua ação não excede os limites da honradez; qualquer pessoa de bem faria o mesmo”.

Chamou depois o segundo filho que disse:

“Próximo da casa que eu habitava ateou-se um grande incêndio por alta noite. Acordei aos gritos dos meus vizinhos que quase estavam a ser devorados das chamas. A custo se salvaram, ficando uma criancinha no berço, e já o fogo ia ganhando terreno para junto dele. Imenso povo acudiu ao sinistro; mas só eu tive coragem para romper entre as chamas: peguei do berço que trouxe para fora em meus braços, e assim livrei da morte a criancinha. Por este ato heroico fui aplaudido por toda a gente que o presenciou, e os pais do menino que eram meus amigos, me deram grandes recompensas”.

 Respondeu o pai:

“Na verdade, a tua ação foi sublime; mas ainda assim cumpriste o dever de bom cidadão, do bom vizinho e do bom amigo. Dando-te Deus a coragem e os meios de valer a um teu semelhante, se desprezasses pô-los em prática para o salvar, cometerias uma falta de que te acusaria a consciência. A tua ação foi boa, mas muito natural; e parece que o principal motivo foi a amizade aos vizinhos. No entanto, é muito digna de louvor, o vejamos agora o que fez o teu ultimo irmão”.

Chamou, finalmente, o terceiro filho que era o mais novo, e que esteve calado, retirado um pouco, enquanto o pai inquiriu os seus irmãos. Aproximou-se e disse:

“Meu pai, eu estive em uma terra onde abri um estabelecimento de negócio; a minha loja começou logo a ser muito concorrida, tal era a inteireza com que a dirigia e a excelência da fazenda que nela vendia. Havia, porém, ali um homem que tinha o mesmo negócio, e, vendo que eu me avantajava a ele, votou-me um ódio irreconciliável, procurando desacreditar-me por todos os meios, e até tirar-me a vida. Não só me esperou muitas vezes para me assassinar, mas também assalariou homens para esse fim. Tratei sempre de evitar maus encontros, prosseguindo pacificamente no meu negócio; e felizmente escapei às ciladas daquele perverso. Ora, ele costumava embriagar-se, e um dia que estava muito bêbado, caiu junto de um grande abismo onde ficou dormindo. Por acaso ali o encontrei. Eu podia facilmente mata-lo, livrando-me dos perigos em que vivia. Podia seguir o meu caminho, abandonando-o e o resultado era ele cair na profundidade. No entanto, desviei-o do precipício; o homem acordou, e, conhecendo o perigo iminente e certo de que eu o livrara, abraçou-me, e desde então ficamos amigos”.

Acabou de falar, e o pai, abrindo os braços a seu filho, com lagrimas de alegria, respondeu:

“Vem cá, meu filho, foste tu o que fizeste a ação mais sublime e generosa. Amaste sempre o teu inimigo, e por fim o livraste da morte em que nenhuma culpa tinhas. Podias, não digo matá-lo, mas continuar a tua jornada, desviando do teu fidagal inimigo. Todavia, livraste-o da morte. Eis o maior heroísmo que praticaste. És tu o herdeiro dos meus bens”.


***


Nenhum comentário:

Postar um comentário