Bendita seja! Pois só
ela é capaz de tornar corações de feras, antropófagos em mansos, humildes e
inofensivos cordeirinhos do rebanho de Jesus Cristo, apascentado atualmente pelo
glorioso Pontífice Pio IX o Grande!
Vamos narrar com toda
a simplicidade e naturalidade os prodígios de civilização que entre nossos indígenas
praticam os Reverendos Missionários Apostólicos Capuchinhos com o poder da
palavra divina e da fé católica.
Homens lá dessas
cidades grandes e civilizadas, lá dessa faustosa corte do Rio de Janeiro,
transportai-vos em espirito às florestas virgens do Rio Doce, e contemplareis o
mais imponente espetáculo que homem algum há presenciado; a saber, vereis o
Selvagem, degradado física, moral e intelectualmente pelo duplo apartamento do
seu Criador e do centro da civilização primitiva, chamado de novo à casa de seu
Deus, ao grêmio da grande família cristã pela voz apostólica dos ministros do
Senhor!
***
Era o dia 12 de Junho
do corrente ano de 1873, dia soleníssimo do Santíssimo Corpo de Deus, Corpus Christi. No aldeamento central
indígena da Imaculada Conceição, no Itambacury [nota: norte de Minas Gerais], 3ª circunscrição do Mucury, tudo está em
movimento desde o arrebol do dia.
A pequena igreja do
aldeamento construída de paus e coberta de cascas de arvores, que os indígenas chamam
cavacos, acha-se soberbamente adornada de panos de algodão branco e encarnado,
formando elegantes bambinelas e sanefas; lindamente alcatifada de flores agrestes
e ornada de frondosos coqueiros, palmeiras, palmiteiros, e outras espécies.
A alguma distancia da
igreja erigiram os Reverendos Missionários Capuchinhos um altar portátil, e
entre este e a capela plantaram os indígenas duas alas de palmeiras.
Depois da missa
cantada, saiu a procissão na ordem seguinte: na frente ia a Santa Cruz,
carregada pelo Sr. Antônio dos Santos, varão religioso e ancião de 72 anos de
idade, abastado fazendeiro senhor da rica fazenda da Fortuna; o qual veio de
três léguas de distância, com seus filhos, parentes e vizinhos, fazendo picadas
e abrindo caminho para chegar ao aldeamento, e de fato chegou non momento em
que começava a procissão.
Iam depois os indígenas
em duas alas ordenadamente com sininhos e campainhas nas mãos, de cujo toque
gostam em extremo.
Saguia-se o celebrante
Frei Seraphim de Gorizia com o Santíssimo Sacramento em Custódia, tendo a seu
lado, servindo de diácono, Frei Ângelo de Sassoferrato, e rodeado de índios de
diferentes tribos com velas acesas, campainhas, sininhos, e alguns com
espingardas, que de quando em quando disparavam. Atrás do Santíssimo Sacramento
seguia uma multidão de índias em muito boa ordem e compostura.
Saindo da igreja, a procissão
caminhou pela rua de palmeiras até ao altar portátil, entoando os Reverendíssimos
Missionários Capuchinhos o hino litúrgico: Tantum
ergo Sacramentum etc., e alternadamente os indígenas em português o
cântico: Bendito e louvado seja o
Santíssimo Sacramento da Eucaristia, respondendo as mulheres: Fruto do ventre sagrado da Virgem Puríssima
Santa Maria.
Chegada que foi a
procissão ao altar e pousada nele convenientemente a sagrada Custódia, foi
incensado o Santíssimo Sacramento pelo celebrante Frei Seraphim, e depois o diácono
Frei Ângelo cantou o Evangelho de S. João: In
principio erat Verbum etc.; findo o qual o celebrante cantou as orações do
costume, dando depois a benção solenemente com o Santíssimo Sacramento,
conservando-se os indígenas e mais pessoas prostrados por terra de joelhos
adorando a Santíssima Eucaristia com profundo respeito e veneração.
Por fim voltou a
procissão pelo mesmo caminho e na mesma ordem à igreja, onde se recolheu.
***
Eis aqui a narração
singela e fiel do que se passou no dia 12 de Junho de 1873 no aldeamento da
Imaculada Conceição do Itambacury.
Ora, quem, há um ano
atrás, antes da vinda dos Reverendos Missionários Capuchinhos, que teve lugar
em Setembro de 1872, havia de acreditar ou ver que hordas de selvagens antropófagos
mais ferozes e sanguinários do que as próprias onças do mato acompanhariam este
ano o Santíssimo Sacramento, o precioso Corpo de Cristo, em procissão tão majestosa
e bem ordenada, como se fossem meninos civilizados, humildes e inofensivos?
Mas não é somente na
docilidade para o culto que se pode avaliar a obediência e afeição dos indígenas,
ainda a pouco bravios, para com os seus caridosos e desinteressados
missionários.
Os Reverendos
Missionários Capuchinhos abriram no aldeamento uma escola, à qual concorrem os
filhos dos indígenas em número avultado e com toda a solicitude, pelo que
promete os mais felizes resultados intelectuais, morais e sociais.
Oh! Preço inestimável
do preciosíssimo sangue de nosso adorável Redentor! Oh! Prodígio da palavra
divina! Oh! Exemplo edificante da abnegação apostólica dos verdadeiros
ministros do Senhor! Oh! Poder inaudito da verdadeira caridade.
Um sertanejo do Rio Doce, setembro de 1873.
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