terça-feira, 2 de junho de 2020

Os primeiros patriotas que teve a nossa terra (E. Vilhena de Moraes)


Se os franceses, com razão, ufanam-se de contar com um historiador da estatura de um Augustin Cochin, cujos estudos sobre as tramas das lojas maçônicas e das “sociedades de pensamento” ainda hoje não foram superados, podemos nós também manifestar o mesmo sentimento em relação ao notável Eugênio Vilhena de Moraes, autor do excerto abaixo transcrito, extraído de magistral conferência pronunciada no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, do qual era membro. Profundo conhecedor das origens católicas da nacionalidade, dedicou-se também Vilhena de Moraes ao estudo de suas figuras mais relevantes, entre as quais destacam-se D. Vital e o grande Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caixas (“Duque de Ferro”). Ao seu empenho e o de sua esposa se deve uma edição, em 1945, do “Livro da família: ou explicação dos deveres domésticos segundo as normas da razão e do Cristianismo”, do grande bispo paraense, amigo de D. Vital, D. Antônio de Macedo Costa. Ainda publicaremos outros excertos da conferência acima referida.

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“Que afeto ou que virtude – interrogava um grande bispo brasileiro – mais credor das bênçãos de uma religião fundada na caridade, que o amor da pátria, que os antigos chamavam Charitas patrii soli, o amor da sua independência, dos seus direitos, e da sua grandeza, sentimento irresistível, que o mesmo autor da natureza gravou no fundo dos nossos corações?
Os livros santos estão cheios de sublimes cânticos, e magnificas descrições das brilhantes solenidades com que a nação celebrava, e transmitia aos seus vindouros, a lembrança das memoráveis épocas da sua liberdade, assim como dos patrióticos suspiros, com que os cativos da Babilônia se compraziam até na recordação das mesmas pedras da sua infeliz pátria – ‘Quoniam placuerunt servis tuis lapides ejus, et terrae ejus miserabuntur’” (Dom Romualdo Seixas, arcebispo da Bahia, metropolitano do brasil – Pastoral constituindo santificado o dia dois de julho [26 de junho de 1830]).

Realmente. A própria Virgem Santíssima entoou no Magnificat um cântico de ação de graças ao Senhor pelos benefícios derramados sobre o povo de Israel. O Divino Salvador quis, em pessoa, pregar primeiramente aos seus compatriotas, sobre cuja desolação e ruína derramou lágrimas, entrando em Jerusalém, nas vésperas da sua Paixão. “Espargiu seu sangue, disse Bossuet, com um olhar particular para a sua nação, e oferecendo o grande sacrifício que devia ser a expiação de todo o Universo, quis que o amor da pátria tivesse também aí o seu lugar” (Bossuet – Politique tirée de l’Ecriture sainte, L. I, artigo VI.)

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País descoberto, povoado, civilizado à sombra a cruz, não admira tenha tido o Brasil por primeiros patriotas os seus primeiros missionários apostólicos. Tão abandonada que até o nome perdera, adotou generosamente a Companhia de Jesus a nova terra, para criá-la ao seio, não como nutriz mercenária, mas com entranhas piedosíssimas de mãe. Ainda mais que o poder régio, soube ela educá-la, imprimindo-lhe ao caráter esse cunho indelével que representa até hoje a maior segurança da realização dos seus gloriosos destinos. Manoel da Nóbrega, Aspilcueta Navarro, José de Anchieta, eis aí entre outros muitos os nomes dos primeiros patriotas que teve a nossa terra.
Pouco importa não tivesse aberto os olhos sob as fulgurações do Cruzeiro o heroico missionário, braço forte dos Sás, a respeito do qual disse com razão o protestante Southey: “não há ninguém a quem deva o Brasil tantos e tão permanentes serviços”, ou aquele outro grande condutor de povos, a um tempo missionário, poeta, historiador, pedagogo e linguista, fundador de cidades, que consumiu cinquenta anos de existência a labutar sem tréguas, pela pátria que adotada.
Estremeciam-na todos, como própria, essa nova terra e levantavam clamores contra a desafeição geral dos colonos.
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Eugênio Vilhena de Moraes. O Patriotismo e o Clero no Brasil, Revista do IHGB, Tomo 99-Vol. 153, 1926, p. 113-114.

E. Vilhena de Moraes nasceu em Campanha, MG, em 2 de fevereiro de 1887, e faleceu no Rio de Janeiro, em 31 de outubro de 1981.

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