sábado, 23 de maio de 2020

A invasão dos barbáros (don Rafael Gambra)


“Atualmente observamos sacerdotes e guardiões do Templo santo unirem-se à turba dos incendiários da Cidade e dedicarem-se de forma desenfreada à demolição do patrimônio sagrado que eles receberam como depósito, como função. E assim os vemos hoje empenhados em ‘desmistificar’ a fé, em ‘dessacralizar’ o culto além de outras iniciativas contraditórias, ao mesmo tempo em que definem a religião e a Igreja como ‘um serviço à Humanidade. A promoção de uma vaga fraternidade humana, da paz, do desenvolvimento econômico, do bem-estar social e da igualdade são os objetivos explícitos de uma religião apenas de nome e de modo vergonhoso. A imagem ideal do monge macilento e ascético foi substituída pela do clérigo ‘eficaz’ e ativo... Mas, se a primazia da ação encerra a Cidade humana em um círculo sem saída, em cujo centro sorri o Diabo do Fausto, quando essa mesma primazia é aplicada ao Templo o efeito é ainda maior: se o esvazia de sua própria substancia e realidade.
O Templo já não é lugar de contemplação senão de ruído e de subversão, simplesmente porque já não é templo. Assim como a chamada sociedade de consumo e do transporte fácil cria uma atmosfera irrespirável, assim a corrupção do Templo torna impossível a oração pessoal, que é como a respiração da alma. A ruína total e definitiva da antiga Roma se resumiu sempre ‘na entrada dos bárbaros no Capitólio’, quer dizer, no templo supremo da Urbe. Nossa civilização não perece em virtude da ação de bárbaros e estrangeiros, senão que produz ou destila de si mesma os seus próprios bárbaros. Em nossos dias ocorre a invasão desses bárbaros imanentes no Capitólio ou santuário de nossa Cidade, que é a Igreja Católica. Por isso não se trata de uma destruição exterior, a sangue e fogo, senão de uma autodemolição obstinada, silenciosa”.
***

Rafael Gambra Ciudad. Sentido cristiano de la accion, Revista Verbo, ns. 119-120, 1973, pp. 961-962.


Rafael Gambra Ciudad (1920-2004)

Nenhum comentário:

Postar um comentário