sexta-feira, 15 de maio de 2020

Rebeldia do Clero (João de Scantimburgo)


João de Scantimburgo (1915-2013) foi um escritor polifacético, destacando-se, contudo, por seus estudos sobre a história de nossa pátria. Integrou a Academia Brasileira de Letras. Entre outras, recomendamos vivamente a leitura da obra “O Brasil e a Revolução Francesa”. Embora possamos discordar do autor em alguns pontos sobre a crise que acossa a Igreja, notadamente no que toca à responsabilidade da hierarquia, "com o papa no alto", parece-nos de grande interesse a descrição por ele feita nas linhas abaixo.

***
“Foram tão profundas as mudanças operadas pelo tempo no seio da Igreja que, embora afirmada e reafirmada a doutrina tradicional, em encíclicas, discursos, mensagens e cartas dos pontífices, o clero vai gravitando, como queria Augusto Comte de um catolicismo com Cristo para um catolicismo sem Cristo, isto é para a Igreja como grande instituição temporal, onde o clero progressista, sobretudo na América Latina, promove reuniões periódicas, nas quais o nome do filho de Deus é escassamente proferido, quando chega a sê-lo. (...) Em tempos contemporâneos, padres e freiras foram adeptos de ‘são’ Marx e pregam a esdruxula Teologia da Libertação, que mais apropriadamente deveria ser denominada ‘Demonologia da Alienação’, se ainda os nossos contemporâneos, sobretudo o clero, acreditassem no demônio, em outras épocas o príncipe das trevas, o maligno.  A Igreja depende da hierarquia, com o papa no alto, governando-a e dando-lhe a palavra da fé. Mas depende do clero regular e secular, formado na ciência teológica, para transmitir a Revelação. Foi o clero que conservou a unidade da Igreja, como foi um clérigo que a rompeu, com sua rebeldia. Um dos aspectos do satanismo da Revolução Francesa cifrou-se, exatamente, na Constituição do Clero, rompendo os seus laços com o primado de Roma e do pontificado romano. (...) Há, sem dúvida, padres que guardam rigorosa fidelidade à doutrina de dois mil anos de pensamento, de confissão, de testemunho, e procuram transmiti-la aos fiéis, como eles, obedientes à palavra inspirada. Mas ninguém atualizado com as questões da Igreja ignora que até mesmo o Cânon da Missa foi abastardado, tendo sido rezado- se ainda se pode usar o termo – segundo fantasias milenaristas e heresias pelagianas. Renegando a missa de são Pio V, o ‘novo clero’ abriu larga brecha para o transito dos inimigos da Igreja, de Deus e de Seu filho unigênito”.
***
 João de Scantimburgo. Eça de Queiroz e a Tradição, São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 16-17.

Nenhum comentário:

Postar um comentário