João de Scantimburgo (1915-2013) foi um escritor polifacético,
destacando-se, contudo, por seus estudos sobre a história de nossa pátria. Integrou
a Academia Brasileira de Letras. Entre outras, recomendamos vivamente a
leitura da obra “O Brasil e a Revolução Francesa”. Embora possamos discordar
do autor em alguns pontos sobre a crise que acossa a Igreja, notadamente no que toca à responsabilidade da hierarquia, "com o papa no alto", parece-nos de grande interesse a descrição por ele feita nas linhas
abaixo.
***
“Foram tão profundas
as mudanças operadas pelo tempo no seio da Igreja que, embora afirmada e
reafirmada a doutrina tradicional, em encíclicas, discursos, mensagens e cartas
dos pontífices, o clero vai gravitando, como queria Augusto Comte de um
catolicismo com Cristo para um catolicismo sem Cristo, isto é para a Igreja
como grande instituição temporal, onde o clero progressista, sobretudo na
América Latina, promove reuniões periódicas, nas quais o nome do filho de Deus
é escassamente proferido, quando chega a sê-lo. (...) Em tempos contemporâneos,
padres e freiras foram adeptos de ‘são’ Marx e pregam a esdruxula Teologia da
Libertação, que mais apropriadamente deveria ser denominada ‘Demonologia da
Alienação’, se ainda os nossos contemporâneos, sobretudo o clero, acreditassem
no demônio, em outras épocas o príncipe das trevas, o maligno. A Igreja depende da hierarquia, com o papa no
alto, governando-a e dando-lhe a palavra da fé. Mas depende do clero regular e
secular, formado na ciência teológica, para transmitir a Revelação. Foi o clero
que conservou a unidade da Igreja, como foi um clérigo que a rompeu, com sua
rebeldia. Um dos aspectos do satanismo da Revolução Francesa cifrou-se,
exatamente, na Constituição do Clero, rompendo os seus laços com o primado de
Roma e do pontificado romano. (...) Há, sem dúvida, padres que guardam rigorosa
fidelidade à doutrina de dois mil anos de pensamento, de confissão, de
testemunho, e procuram transmiti-la aos fiéis, como eles, obedientes à palavra inspirada.
Mas ninguém atualizado com as questões da Igreja ignora que até mesmo o Cânon
da Missa foi abastardado, tendo sido rezado- se ainda se pode usar o termo –
segundo fantasias milenaristas e heresias pelagianas. Renegando a missa de são
Pio V, o ‘novo clero’ abriu larga brecha para o transito dos inimigos da
Igreja, de Deus e de Seu filho unigênito”.
***
João de Scantimburgo. Eça de Queiroz e a Tradição, São Paulo:
Siciliano, 1995, pp. 16-17.
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